É
uma grande alegria estar novamente podendo dialogar temas tão
importantes da atualidade e, para este mês, tentaremos identificar
alguma ligação entre a cidade encantadora Paris, o amianto, outdoors
e o tabaco.
PARIS
Quem
já não escutou falar de Paris (ou já teve a rica e feliz
oportunidade de lá estar), o seu glamour, os seus cafés, a
sua arte, a sua cultura, o extraordinário Louvre, os
impressionistas do D´orsay, a "monstruosa" igreja de
Notre-Dame, a grandiosidade e a vista da Sacré-Couer,
as praças, a Champs-Élysées (e o Arc de Triomphe), fazer um
pic-nic aos pés da maravilhosa Torre Eiffel, o romantismo, o
charme dos cafés. Poderíamos ficar aqui por horas falando sobre a
encantadora Paris...
Pois
bem, até Paris "surpreendeu" o mundo ao apresentar uma ampla
aceitação da lei que proibiu o tabaco em bares, restaurantes,
discotecas e cassinos do país a partir de janeiro de
2008.
AMIANTO
E
em que medida o amianto relaciona-se com Paris e os outros
temas?
Também,
no Brasil, na tentativa de proteção à saúde, várias leis,
sejam estaduais, ou municipais, proíbem o uso do amianto, que é
utilizado em alguns produtos, como nas tubulações, telhas, caixas
d´água, mangueiras, papéis, papelões etc.
O
problema é que existe a Lei Federal n. 9.055/95, que admite o
seu uso controlado, limitando-o à variedade crisotila
(asbesto branco) e nos termos do Decreto n. 2.350, de 15.10.97 e,
por outro lado, algumas leis estaduais e municipais proíbem o
amianto sem qualquer exceção, violando a regra geral da lei federal,
que, inclusive, está sendo questionada na ADI 4066, ajuizada
pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e pela
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra).
Algumas
ações já foram julgadas procedentes, declarando a
inconstitucionalidade formal orgânica das leis estaduais ou
municipais, sob o argumento de que referidos entes federativos não
poderiam legislar sobre a matéria. Vamos a
elas:
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!supportLists]-->·
<!--[endif]-->ADI
2.396
- 08/05/2003 - o STF entendeu que o Estado de Mato Grosso do
Sul não poderia proibir o uso do amianto (lei estadual n.
2.210/2001), já que a competência para legislar sobre o assunto é
concorrente e existe a lei federal admitindo-o - art. 24, V, VI e
XII, CF;
<!--[if
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<!--[endif]-->ADI
2656
- 08/05/2003 - no mesmo sentido, a Suprema Corte entendeu que
a lei paulista (Lei n. 10.813/2001) não poderia ter disciplinado o
assunto, violando tanto os citados incisos do art. 24 como, ainda, o
art. 20, IX, e 22, VIII e XII).
<!--[if
!supportLists]-->·
<!--[endif]-->ADI
3356
- 26/10/2005 - o relator, Min. Eros Grau, pelos mesmos
argumentos - tratar-se de competência concorrente (art. 24, V, VI e
XII) e haver lei federal, entendeu que o Estado de Pernambuco (Lei
n. 12.589/2004) não poderia ter legislado sobre o assunto. Houve
pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa e referida ADI ainda não foi
julgada.
Essas
vinham sendo as decisões do STF, a maioria no sentido de se tratar
de competência concorrente (art. 24, V - produção e consumo; VI -
meio ambiente e poluição; XII - proteção e defesa da
saúde).
Já tivemos
a oportunidade de explicar que, no âmbito da competência
legislativa concorrente, a União limita-se a estabelecer normas
gerais e os Estados, as normas específicas. No entanto, em caso de
inércia legislativa da União, os Estados poderão
suplementá-la, regulamentando as regras gerais sobre o
assunto. Assim, podemos dividir a competência suplementar em
duas: a) competência suplementar complementar - na hipótese
de já existir lei federal sobre a matéria, cabendo aos Estados e ao
Distrito Federal (na competência estadual) simplesmente
completá-las; b) competência suplementar supletiva - nesta
hipótese inexiste a lei federal, passando os Estados e o Distrito
Federal (na competência estadual), temporariamente, a ter a
competência plena sobre a matéria (LENZA, Pedro, Direito
constitucional esquematizado, 13ª ed., Saraiva, p.
311).
Assim,
teoricamente - conforme decidiu o STF, havendo a lei federal, os
estados só poderiam legislar suplementando-a, porém, nunca
contrariando ou negando o dispositivo. Se a lei federal admite de
modo restrito o uso do amianto, teoricamente, a lei estadual ou
municipal não poderia proibi-lo totalmente.
Algumas
decisões lembraram o art. 20, IX (os recursos minerais como bens da
União) e a competência privativa da União para legislar sobre
comércio interestadual (art. 22, VIII) e sobre jazidas, minas,
outros recursos minerais e metalurgia (art. 22,
XII).
Então,
tentando harmonizar os arts. 24, V, VI e XII de uma lado
(competência concorrente) e art. 22, VIII e XII (competência
privativa da União), parece que, apesar de se tratar de competência
concorrente (e os Estados poderiam legislar plenamente se não
houvesse lei federal), neste caso do amianto, teoricamente, só
existiria a competência suplementar complementar e nunca a
suplementar supletiva (é uma tentativa de tentar harmonizar a
decisão que admitiu os dois dispositivos), já que competiria à
União, também, legislar privativamente sobre o
assunto.
O
STF, contudo, mudou o seu entendimento.
Vejamos:
<!--[if
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<!--[endif]-->ADI
3937
- 04/06/2008 - o STF, por 7 X 3, entendeu que a Lei paulista
n. 12.684/2007, apesar de proibir totalmente a utilização do amianto
é constitucional (observa-se que o Estado de São Paulo, já
tendo sido derrotado na ADI 2656, legislou novamente sobre o
assunto).
Basicamente,
dois foram os argumentos.
De
um lado, a Convenção 162 da OIT, assinada pelo Brasil,
recomenda a não pulverização do amianto, desestimulando o seu uso.
Por ter, segundo interpretou o STF, natureza supralegal,
prevaleceria (já que mais protetiva) sobre a lei
federal.
Ainda,
concluindo alguns Ministros que a utilização do amianto traz riscos
à saúde (sustentando, inclusivo, o risco de câncer), entenderam que,
apesar de haver lei federal admitindo o seu uso controlado, a lei do
Estado de São Paulo é mais protetiva e, assim, em uma ponderação de
interesses, prevaleceria o princípio constitucional do direito à
saúde (art. 196).
Na
mesma linha de argumentação, o Min. Lewandowski negou, em
22.04.2009, liminar na ADPF n. 109, que tem por objeto
a Lei do município de São Paulo n. 13.113/2001, que proíbe a
utilização do amianto na construção civil.
OUTDOOR
Em
igual medida, parece caminhar a questão colocada em relação à
denominada "Lei Cidade Limpa" no município de São Paulo que proibiu,
dentre outras coisas, a utilização do outdoor (sobre o tema,
cf. Suspensão Liminar 161 e Reclamação
7781).
TABACO
E
o tabaco?
Em
13.05.2009, a Min. Ellen Gracie arquivou a ADI 4239,
que tinha por objeto a Lei Antifumo do estado de São Paulo
(Lei 13.541, de 7 de maio de 2009), por entender que a Associação
Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel
Nacional) não se enquadrava no conceito de entidade de classe de
âmbito nacional (art. 103, IX). A análise foi apenas formal e
não sobre o mérito da questão.
Em
12.06.2009, a Confederação Nacional do Turismo (CNTUR)
ajuizou a ADI 4249, requerendo o reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei paulista antifumo, alegando, dentre
outros argumentos, o fato de o Estado não poder extrapolar a lei
federal que já disciplina a matéria.
De
fato, não há dúvida que a lei estadual é muito mais restritiva,
inclusive em relação aos direitos individuais dos fumantes, violando
a Lei Federal n. 9.294/96 que autoriza o fumódromo "em área
destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com
arejamento conveniente" (art. 2º).
Nessa
linha, em 23.06.2009, a Justiça de São Paulo suspendeu
parcialmente a Lei Antifumo, concedendo liminar requerida pela
Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi)
(juiz Valter Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública, autos n.
053.09.015779-9), por conflitar a lei estadual, em alguns pontos,
com a lei federal citada, especialmente em relação aos fumódromos e
sanções ao empresário.
Diante
de todo o exposto, restará ao STF a palavra
final.
Entendemos
que a lei paulista antifumo mostra-se na linha do que decidiu o STF
sobre o amianto. A lei paulista é mais protetiva e melhor resguarda
o princípio de proteção à saúde.
Ainda,
o Brasil é signatário da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso
do Tabaco (Decreto n. 5.658/2006 ) que desestimula o uso do
tabaco.
O
tabagismo caracteriza-se, na atualidade, como a principal
causa de morte evitável e, portanto, indiscutível ser dever do
Estado proteger a saúde e, assim, combater o fumo que, quando
consumido, introduz no organismo mais de 4.700 substâncias tóxicas,
destacando-se a nicotina (responsável pela combatida e
famigerada dependência química), o monóxido de carbono (gás)
e o alcatrão (que contem substâncias pré-cancerígenas), sem
contar a problemática do fumante
passivo.
A lei
paulista mostra-se bastante "corajosa". O direito individual de
fumar não está sendo proibido, mas apenas restringido (de maneira,
não há dúvida, bastante enérgica) e, ao que parece, na linha
do que o STF decidiu, mais recentemente, sobre o
amianto.