Os ministros e a maconha

O combate à droga é algo mais delicado e grave do que supõem Gil e Humberto Costa em suas declarações levianas. A ligeireza com que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, contou publicamente ter fumado maconha até os 50 anos de idade e ainda defendeu que o consumo de drogas deixe de ser crime é mais uma demonstração de como ele (e, de resto, outros colegas de primeiro escalão) não tem idéia das obrigações que tem como homem de Estado. Se sua intenção verdadeira era apenas transferir a discussão do problema da órbita policial para a sanitária, e não fazer a apologia do consumo de entorpecentes, Sua Excelência lhe teria sido mais fiel se evitasse o discurso dúbio no qual não ficaram claros os motivos pelos quais largou o vício há pelo menos 12 anos.

Primeiramente, sua argumentação para justificar a "descriminalização" do consumo, baseada na duvidosa afirmação de que a proibição ocorre "para se ter tráfico, traficante e toda uma cadeia que existe só para manter o que é ilegal", não se sustenta em fatos concretos nem na lógica plana. As drogas são proibidas porque fazem mal à saúde de quem nelas se vicia e a clandestinidade de sua comercialização é um subproduto disso e também do fascínio que o prazer por elas produzido quimicamente exerce principalmente sobre jovens despreparados e desinformados. Esse fascínio se assemelha, guardadas as devidas proporções, ao charme do uso de tabaco subliminarmente transmitido pela publicidade e até pela cultura de massa em nossa sociedade de consumo. A ignorância do ministro, filho de médico, a esse respeito é lamentável.

Mais absurdo ainda, contudo, é que, sendo, desde muito jovem, um ídolo da música popular, tendo ele mesmo experimentado esse fascínio e os malefícios produzidos pela droga nos próprios corpo e mente, Gil não tenha percebido como sua declaração faz mal à saúde coletiva e também está completamente démodé. Afinal, os esforços no mundo inteiro e também no Brasil têm sido feitos na direção oposta: a favor da saúde e restritivos ao uso de quaisquer drogas, inclusive as permitidas socialmente, álcool e tabaco. A "descriminalização" da maconha contraria a progressiva limitação do fumo pela lei, aliás com apoio do governo federal.

Pode ser politicamente correto transferir o problema da alçada policial para a da saúde pública, como ele anunciou e em seu socorro veio um colega de primeiro escalão, o ministro da Saúde, Humberto Costa. Mas ambos os ministros deveriam ser informados de que o exemplo recorrente dos benefícios da liberação, o da Holanda, perdeu o sentido, pela evidência de que a permissividade festejada está criando um efeito colateral nocivo, o "narcoturismo". Além disso, não há comercialização sem consumo. Portanto, restringir o combate à praga à repressão ao tráfico e aos traficantes, como pretende o ministro, é tratar o problema pela metade, sem levar em conta todas as suas implicações. Ou seja, o problema é sério e profundo demais para ser tratado com a ligeireza com que Gil e Costa o abordaram.

Fonte: Jornal da Tarde em 03-06-2005.