Falta de transparência, com início
na campanha, impede vinculação entre políticos
e os interesses de quem os financia
"EU MESMO esperava mais". De autoria do deputado Alberto
Fraga (PFL-DF), a frase ilustra à perfeição o ambiente
de promiscuidade entre grupos de interesse privado e o poder público
no Brasil. Líder da ala conhecida como "bancada da bala",
por rejeitar a proibição do comércio de armas de
fogo, Fraga recebeu R$ 282,5 mil de empresas de armamentos e munição
para financiar sua campanha eleitoral. Achou pouco.
Em situação semelhante encontram-se ao menos 36 deputados
federais reeleitos em outubro. Todos estiveram envolvidos em comissões
ou relataram projetos de lei sobre temas relacionados ao interesse de
parte dos doadores de suas campanhas.
Setores que ocupam fatias expressivas do mercado e encontram-se sob
ameaça de eventuais alterações na legislação
tendem a ser os contribuintes mais generosos. Não à toa,
empresas fabricantes de bebidas alcoólicas, tabaco e armas lideram
a lista de patrocinadores: juntas, distribuíram R$ 13 milhões
no último pleito e ajudaram a eleger 12% do Congresso Nacional.
A prática do lobby não envolve necessariamente ilícitos.
O Código de Ética da Câmara não proíbe
ao deputado a participação em comissões formadas
para deliberar a respeito de assuntos de interesse de seus financiadores.
Tampouco estabelece limites para doações ao parlamentar
por grupos eventualmente beneficiados por sua atuação.
A pressão de empresas e organizações sobre a atividade
parlamentar é constitutiva dos regimes democráticos nos
países mais desenvolvidos. Exercida de modo transparente, pode
representar papel importante na materialização de anseios
legítimos da sociedade civil. Por esse motivo, é preciso
haver regulação clara sobre a atividade e um mapeamento
explícito das forças em disputa. Justamente o contrário
do que ocorre no Brasil.
O sistema eleitoral organiza-se de forma a encobrir os esteios financeiros
dos parlamentares, não raro mais úteis para compreender
suas inclinações do que a filiação partidária.
Embora parcela expressiva dos congressistas atue afinada a interesses
corporativos, a escassez de normas favorece o escamoteamento dessas
ligações -e, por extensão, o clientelismo e a corrupção.
Por mais avanços que tenha representado, a prestação
de contas pela internet ainda contribui pouco para elucidar os laços
entre políticos e financiadores.
Uma brecha na lei, por exemplo, permite às empresas doar recursos
aos partidos em vez de repassá-los diretamente aos candidatos.
Com isso, o nome da instituição só vem à
tona na internet seis meses após as eleições: até
lá, é a sigla que aparece como doadora na prestação
de contas dos candidatos. Em virtude desse detalhe capcioso, seguem
ocultos os responsáveis pela doação de R$ 66 milhões
para campanhas de 2006.
Nos Estados Unidos, a legislação determina as situações
em que empresas ou organizações podem fazer lobby sobre
o Congresso e o governo. O Brasil faria bem se seguisse o exemplo.
Fonte: Folha de São Paulo em 25-11-2006.