A Esplanada contra o fumo

Solano Nascimento

Poderes Executivo e Legislativo abrem três frentes distintas que devem reduzir o lucro de indústrias e inibir o consumo de cigarros. Ministro do STF prepara relatório para ação sobre restrições à propaganda

Sem nenhum tipo de ação coordenada, estão se desenrolando três iniciativas distintas que devem ter impacto direto na produção e no consumo de cigarros. Na Câmara dos Deputados, um racha na bancada ruralista poderá permitir a aprovação, na quarta-feira, de uma medida que mexe no lucro das indústrias de beneficiamento do fumo. No governo federal, um ministério prepara a criação de um novo imposto para incidir sobre o cigarro e outro, a proibição dos fumódromos. No Judiciário, está sendo elaborado o relatório para uma ação que trata das restrições à propaganda de incentivo ao hábito de fumar.

A frente que deverá ter uma decisão mais rápida é a votação do projeto de lei 3.854, que tramita há 10 anos na Câmara e finalmente deverá ser votado na Comissão de Agricultura. “Só no ano passado, nós tiramos o projeto de pauta seis vezes”, lamenta Adão Pretto (PT-RS), autor da proposta. A iniciativa tem potencial para diminuir o faturamento de empresas que compram o fumo do produtor para beneficiar e repassar aos fabricantes de cigarros. Hoje, essas indústrias podem buscar o produto nas lavouras, levá-lo para suas dependências e fazer a classificação, que aponta a qualidade do fumo e define o preço a ser pago ao agricultor. Se o projeto for aprovado, essa classificação passará a ser feita na sede do município dos produtores ou em outro ponto próximo ao local do plantio, o que vai permitir que os agricultores participem do processo.

Até o começo deste ano, as chances de o projeto ser aprovado não eram grandes. Pouco antes do recesso de julho, no entanto, houve uma divisão na bancada ruralista, e parte dela passou a apoiar a idéia. Abelardo Lupion (DEM-PR) anunciou a retirada de seu nome de um voto em separado, contra o projeto, que havia apresentado em conjunto com Luís Carlos Heinze (PP-RS). Empresário rural, Lupion tem parte de sua base eleitoral nos plantadores de fumo do Paraná, enquanto Heinze tem ligações fortes com as empresas gaúchas que beneficiam o fumo, algumas delas doadoras de campanha do parlamentar.

Depois da divisão, a comissão resolveu realizar três audiências públicas nos três estados da Região Sul, e o apoio ao projeto foi maior que a resistência. Em Santa Catarina, a Assembléia Legislativa chegou a divulgar uma moção defendendo a iniciativa. Isso também aumentou a possibilidade de aprovação do projeto, que está na pauta da reunião da Comissão de Agricultura desta quarta-feira.

Proibição e imposto

No âmbito do Ministério da Saúde, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) preparam a regulamentação da lei 9.294, que trata da proibição de fumo em recintos coletivos fechados. Como essa lei prevê uma exceção para ambientes “devidamente isolados e com arejamento conveniente”, ela gerou a criação dos chamados fumódromos. “Não existe nenhum sistema de ventilação apropriado e há riscos para os fumantes passivos”, afirma Tânia Cavalcante, chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Inca. Ela é taxativa ao dizer que o hábito de fumar deve ser banido, de forma completa, desses ambientes, sem nenhuma exceção.

A Anvisa encerrou no final de maio a consulta pública para a regulamentação da lei. As sugestões enviadas à agência estão sendo analisadas para a elaboração do texto da regulamentação. “Essa é uma questão de saúde pública que começa, por exemplo, pela proteção ao bem-estar e à saúde dos não-fumantes”, diz Humberto Coelho Martins, gerente de Produtos Derivados do Tabaco da Anvisa.

Também no governo federal, só que no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), está sendo preparada a proposta de criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), para aumentar ainda mais a carga tributária que incide sobre o tabaco. Além de inibir o consumo, por causa do aumento no preço do cigarro, a Cide — cuja arrecadação tem vínculo específico — deverá gerar recursos para o MDA aumentar os incentivos a produtores que aceitem trocar o fumo por outras culturas. A proposta vai ser apresentada à Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro — o tratado internacional para redução do tabagismo —, na qual há representantes de 15 ministérios.

Adoniram Sanches Peraci, secretário de Agricultura Familiar do MDA, afirma que a grande dificuldade é encontrar um produto que possa dar aos plantadores um lucro equivalente ao do fumo. O MDA já está investindo em projetos experimentais com produtos como girassol, eucalipto, ervas medicinais e leite orgânico. “Estamos vivendo um momento de estudos”, diz Peraci. “Não há um produto mágico.” No mês passado, ele levou o resultado de testes brasileiros para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, na Tailândia.

O secretário está apostando no etanol e no biodiesel como alternativas promissoras.

Um pouco mais demorada deverá ser a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que questiona as restrições impostas pelo governo à propaganda de cigarros em locais de venda e meios de comunicação. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) alega na ação que essas restrições ferem direitos como a liberdade de comunicação e o acesso à informação. O ministro Joaquim Barbosa, relator da Adin, recebeu pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério Público e está preparando o relatório que apresentará para julgamento no pleno do STF.

Estamos vivendo um momento de estudos

Adoniram Sanches Peraci, secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário

Somos contra qualquer aumento do imposto sobre o fumo

Iro Schünke, presidente do Sindicato da Indústria do Fumo

Empresas se opõem a medidas O Sindicato da Indústria do Fumo (Sindifumo) ataca o projeto que tramita na Câmara dos Deputados para mudar o sistema de compra do tabaco e a intenção do governo federal de criar um novo tributo sobre o cigarro. “Somos contra”, diz o presidente da entidade, Iro Schünke.
O sindicato atua nos três estados da Região Sul — onde está concentrada a produção de fumo — e tem entre as empresas associadas gigantes do setor como a Philip Morris e a Souza Cruz.

Schünke explica que se o projeto de Adão Pretto virar lei será necessário criar postos de classificação de fumo em cerca de 300 municípios. Por seus cálculos, para construir cada um desses postos será preciso desembolsar R$ 1,2 milhão — por causa da necessidade de estrutura que inclui esteiras e computadores —, sem falar na manutenção do centro de classificação. “Quem vai assumir esses custos?”, questiona Schünke. “Há um problema econômico que torna o projeto inviável e impraticável.”

O presidente do sindicato também ataca a idéia do Ministério do Desenvolvimento Agrário de criar uma Cide para o cigarro. “Somos contra qualquer aumento do imposto sobre o fumo, em qualquer uma das etapas”, afirma. Ele lembra que só nos três estados do Sul há 184 mil plantadores de fumo, a maioria deles pequenos produtores, que seriam afetados pelo aumento na carga tributária por causa da cadeia produtiva.
Segundo Schünke, não há notícia de um produto que possa dar aos plantadores o lucro que eles têm com o tabaco, cultura na qual um hectare rende mais que 10 hectares de milho. O presidente do Sindifumo preferiu não comentar a idéia de acabar com fumódromos.(SN)

Memória
Empate em 2006

O setor do tabaco sofreu no ano passado uma grande derrota em Brasília.
Depois de muita polêmica, o Congresso ratificou a adesão do Brasil à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Com isso, o país se comprometeu a adotar novas medidas de combate ao cigarro. No entanto, também no ano passado, a indústria de cigarros festejou o arquivamento, antes de ser votado, de um projeto que tramitava na Câmara desde 2000 e obrigaria essas empresas a reembolsarem o Sistema Único de Saúde (SUS) pelos gastos com doenças resultantes do tabaco. Nas últimas eleições, o setor de produção de cigarros doou R$ 674,1 mil para as campanhas eleitorais de 13 deputados federais que se elegeram. As contribuições variaram entre R$ 5 mil e R$ 120 mil.

Fonte: Correio Braziliense em 06-08-2007.