O lucro das sentenças

Conheça Luizinho Cai-Cai, um fabricante de cigarros que ficou milionário sem pagar impostos e faturou com decisões compradas na Justiça

Por HUGO MARQUES e HUGO STUDART

A Polícia Federal descortinou um esquema de venda de sentenças na Justiça e prendeu dois desembargadores e um juiz ao deflagrar a Operação Hurricane. Aos poucos, começam a surgir as empresas acusadas de comprar as decisões judiciais. Uma delas é a fábrica de cigarros American Virginia, que pertence ao empresário Luiz Antônio Duarte Ferreira, 46 anos. Ele é também presidente do Marília Atlético Clube. Ex-vendedor de distribuidora de cigarros, Duarte Ferreira construiu um império econômico em sete anos. A American Virginia é a terceira maior fábrica do gênero no País, com faturamento anual de quase meio bilhão de reais. Fabrica as marcas San Marino, Seleta, Oscar, Indy e West. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional descobriu que grande parte da riqueza levantada pela fábrica provém da sonegação de impostos. Duarte Ferreira é dono de uma dívida de R$ 1,42 bilhão. É exatamente o orçamento anual do Ministério da Justiça. "Esse bilhão nós nunca vamos pagar", avisa o sócio do milionário, José Luiz Lourenço, que falou com ISTOÉ em nome da American Virginia em novembro de 2006. "Estamos empurrando com a barriga."

A American Virginia é alvo da maior investigação já realizada pelo governo. A Receita Federal cancelou seu registro de fabricante de cigarros em novembro de 2005. Por duas vezes, ela foi fechada e reabriu as portas. Esta semana, suas unidades em Duque de Caxias (RJ) e em Belém (PA) foram cerradas por ordem judicial pela terceira vez. Não sem motivo. A American Virginia não paga IPI sobre os cigarros industrializados, de 46 centavos por maço. É a maior sonegadora do setor e responde por 36% de todas as dívidas da indústria de tabaco do Brasil. Sua fatia no mercado é de 8%, o que significa R$ 480 milhões de faturamento anual. Em dezembro do ano passado, já respondia a mais de 140 processos por sonegação fiscal. A lista tem autos de infração, cobranças finais e até confissões de dívida. Em uma decisão, o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, do Tribunal Regional da 2ª Região, preso pela Hurricane, concedeu liminar em ação cautelar da empresa para "atribuir efeito suspensivo a recurso especial futuro".


R$ 480 milhões é o faturamento da American Virginia, que teve fábricas fechadas pela 3ª vez
Além dos cigarros, Duarte Ferreira expande os negócios para outros ramos. Investiu quase R$ 14 milhões em fazendas em Lupércio (SP) e em Porto dos Gaúchos. Em Marília (SP), é dono da American Sport e atua na compra e venda de jogadores. Na cidade, Luizinho Cai-Cai, como é conhecido, recebeu o título de cidadão benemérito da Câmara de Vereadores. O negócio de cigarros começou em 1995, com dez funcionários. Sete anos depois, tinha 550 funcionários diretos e quase 90 mil clientes no varejo.

A empresa LDF Participações é dona de 85% da American Virginia. Duarte Ferreira tem 99% da LDF. "Ele é um investidor e eu administro", afirma Lourenço. Com apenas 1% da LDF, é Lourenço quem assina as alterações de contrato social da companhia de cigarros. Ele recebe salário mensal de R$ 4,5 mil mensais e nega ser laranja da empresa. "Um laranja que dá as caras, que dá entrevista?", pergunta Lourenço. Mas ele desafia a Receita Federal a achar um dono de fábrica de cigarro no Brasil. "É tudo laranja mesmo!"

Não é de hoje que o empresário está na mira das autoridades. Em 2004, a CPI da Pirataria indiciou Duarte Ferreira por crime contra a ordem tributária. Além de ilegal e imoral, conquistar mercados sem pagar impostos é praticar concorrência predatória. Nesse ponto, a American Virginia não poupa esforços para ganhar dinheiro. Seus negócios transcendem as fronteiras do País.

A empresa é a verdadeira dona da La Soberana de Tabacos, no Paraguai. Mais de 60% da produção de cigarros dessa fábrica é escoada para os camelôs do Brasil, os maiores concorrentes informais da indústria de tabaco. A metade da La Soberana pertence a Joaquim José de La Torre Aranda, diretor de futebol do Marília. Documento do Ministério da Fazenda do Paraguai mostra que a La Soberana está registrada nos nomes de Aranda e de Alexandre Galvão Leite, ex-funcionário da American Virginia. José Maria Gelsi, segundo-secretário do Marília e advogado de Duarte Ferreira, é dono de 30% da Tabacalera Central, também no Paraguai.

Fonte: Isto É em 08-05-2007.