Quem é quem, e quem faz o que no lobby das indústrias fumageiras para evitar a ratificação do Tratado Internacional para Controle do Tabaco pelo Brasil.

É hora da sociedade civil saber o que se passa e dar um basta!

DR PAULO CESAR R P CORREA*
*Médico pneumologista, especialista em políticas de controle do tabagismo, Secretário Executivo da Rede Tabaco Zero


Um profundo sentimento de indignação e inconformismo toma conta de mim quando reflito sobre todo o processo de tramitação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) no Senado Federal brasileiro. Penso nos 200 mil brasileiros que morrem todos os anos em decorrência do consumo de produtos de tabaco. Mortes que poderiam ser evitadas se essas pessoas não fumassem. Penso no sofrimento de famílias que perdem entes queridos precocemente. Penso no filho que não terá o insubstituível referencial paterno posto que o pai faleceu de uma doença associada ao uso de tabaco. Reflito sobre as incapacidades e redução da qualidade de vida de tantos pacientes que tem doenças produzidas pela dependência a nicotina, como a terrível falta de ar dos pacientes com enfizema pulmonar, casos que vejo diariamente no exercício da Pneumologia, dentro ou fora do Hospital. Tratado internacional assinado pelo Brasil em junho de 2003, quando fomos a segunda nação do mundo a tomar esta iniciativa, a CQCT visa controlar globalmente o consumo do tabaco, o que significa diminuir o numero de mortes e sofrimento humano trazidas pelo consumo do tabaco. Para isso, prevê medidas não apenas na área de saúde, mas também econômicas, legislativas e educativas, entre outras. Esse tratado global tornou-se necessário para enfrentar a globalização das estratégias de marketing e de lobby da Indústria do Tabaco iniciadas nos anos 80. Assim é que à medida que as políticas de controle do tabagismo avançavam no primeiro mundo, as fumageiras buscaram "novos mercados" sem ou com poucas restrições para divulgar e vender seus produtos mortais. Desta forma, América Latina, África, Ásia e as ex-republicas integrantes da União Soviética passaram a serem os alvos das companhias transnacionais de tabaco.
A CQCT tramitou na Câmara dos Deputados por mais de 9 meses, tendo sido aprovada na Câmara em 13 de maio de 2004. Foi então encaminhada para apreciação no Senado federal, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, cuja presidência é exercida pelo Senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O Senador Fernando Bezerra (PTB-RN) solicitou a relatoria da matéria ao Senador Suplicy, o que lhe foi concedido. Em 03 de junho o projeto foi distribuído ao Senador Fernando Bezerra para relatar.

A Rede Tabaco Zero (RTZ) tem feito controle social do desenrolar dos fatos no Senado e torna-se fundamental levar a discussão para a sociedade como um todo. Está bastante claro que foi montado um cuidadoso, detalhado e bem articulado lobby visando ir protelando a ratificação para que o Brasil não conseguisse estar entre os 40 primeiros países a ratificar o tratado. Fundamental que a sociedade saiba disso. Necessário levantar alguns pontos: O que terá motivado o Senador Bezerra a pedir a relatoria da matéria? Bezerra foi no passado conselheiro da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e, mais recentemente seu Presidente. E é justamente a CNI que entrou no final de setembro de 2004 com uma ação de inconstitucionalidade (adin) contra os limites estabelecidos para a propaganda comercial de tabaco. O artigo 3º da Lei 9.294/96 foi alterado em 2000 pela Lei 10.167/00 e, em 2001, pela Medida Provisória 12.190-34, de forma que a propaganda comercial de tabaco não pode ser veiculada em rádio e TV. E a CNI está contra isso! Ou seja, a CNI está combatendo as leis que limitam a propaganda de produtos de tabaco no país, desejando que nossos jovens sejam seduzidos pelas propagandas de cigarros, tornando-se dependentes de nicotina muitas vezes para o resto de suas vidas e eventualmente falecendo devido ao uso dos produtos de tabaco. Um desserviço à nação. Portanto, fica claro que no mínimo há um conflito de interesse pelo Senador, o qual não deveria ter sido designado como relator. Não nos parece de forma alguma garantida a isenção para a emissão de um parecer sobre a matéria, uma vez que está bastante clara a posição da entidade aonde o Senador esteve envolvido por tantos anos. Já diz o ditado "Diga-me com quem andas que eu te direi quem és!".

Havia um requerimento de urgência para a votação do projeto da Convenção-Quadro (PDS 00602 / 2004), o qual foi rapidamente derrubado, tendo o projeto voltado a ter tramitação normal.
Como mais uma estratégia de protelamento , uma audiência pública foi requerida pelo Senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS), tendo a mesma ocorrido no dia 15 de setembro de 2004. Esta audiência foi feita com o objetivo de "fornecer dados e elucidar dúvidas dos parlamentares sobre as implicações políticas, econômicas e sociais da ratificação da Convenção Quadro", uma vez que estava ocorrendo uma grande campanha de desinformação feita pela Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), que é uma organização de fachada das companhias transnacionais de tabaco. A Afubra vinha divulgando dados alarmantes e infundados sobre as implicações da Convenção sobre os empregos no setor tabageiro e sobre a arrecadação de divisas pela Região Sul, gerando pânico entre os fumicultores, conforme pode ser verificado pelo teor da comunicação amplamente divulgada por jornais da região Sul intitulada "Querem acabar com a fumicultura". Existem vários estudos da Organização Mundial de Saúde, do Banco Mundial, uma análise do Citibank, dados da Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE e o estudo bem detalhado do economista Roberto Iglesias da RTZ "Ratificação da Convenção-Quadro no Brasil: vulnerabilidades e possíveis soluções" , que está disponível em http://www.tabacozero.net, mostrando que a fumicultura vai continuar como está por muitos anos e que o impacto da ratificação pelo Brasil será nulo a curto e médio prazo, já que 85% da produção é exportada, inclusive para países que já ratificaram. A convenção-quadro está a favor do fumicultor e não contra ele, sendo fundamental desfazer este mito que as indústrias de tabaco e suas organizações de fachada vem divulgando. Assim, os fumicultores terão muito tempo para mudar para outros cultivos e quando decidirem fazê-lo devem estar tranqüilos, posto que existem alternativas viáveis para a substituição do fumo na região sul como alho, tomate e fruticultura de clima temperado (maçã, nectarina, pêssego,etc).

O site da Afubra (http://www.afubra.com.br) nos informa que a entidade foi criada em 1955, para prover os agricultores com seguro de baixo custo contra vento e granizo. Quando clicamos na guia estrutura da Afubra, descobre-se ao ler o item 7 que a mesma é filiada à Associação Internacional dos Produtores de Fumo (ITGA) e que "é através da ITGA, fundada no dia 26/11/1984 em Santa Cruz do Sul, que a Afubra acompanha a situação e tendências do mercado internacional de fumo. Esta entidade salienta, a nível mundial, a grande importância social que a fumicultura representa. O presidente da Afubra, Hainsi Gralow, também já presidiu esta entidade". Mas, quem é a ITGA e quem ela representa? Em 1994 documentos internos da fumageira Brown & Williamson (subsidiaria da British American Tobacco) foram divulgados para o público por Merrell Williams e entregues ao Congresso Americano, à imprensa e ao professor Stan Glantz da Universidade da Califórnia de São Francisco. Esses documentos mostram com grande riqueza de detalhes como as indústrias fumageiras conseguiram criar uma grande aliança agrária internacional com organizações testa de ferro à frente. Uma destas organizações testa de ferro é a ITGA, a qual, como demonstram extensamente estes documentos, é mantida pela British American Tobacco (da qual a Cia. de Cigarros Souza Cruz é subsidiária), e utilizada para pressionar o setor agrícola dos países que produzem fumo.

Voltando a audiência de 15/09/04, o quorum de legisladores presentes era pequeno, sendo que o Senador Suplicy, que presidia a seção, foi na grande maioria do tempo o único senador presente, uma vez que a maioria dos senadores estava envolvida com a votação do Projeto de Lei da Biosegurança. O Senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi ao local de audiência e propôs o adiamento da audiência, porém o Presidente da Comissão, Senador Eduardo Suplicy, optou pela continuação dos trabalhos, tendo em vista os esforços do comparecimento das diversas representações presentes, provenientes de várias partes do País, e pelo fato da audiência estar sendo gravada, possibilitando uma análise posterior pelo plenário do Senado. Diante disso o senador Simon disse que precisaria tomar parte em outras atividades e retirou-se do recinto. Voltou no final da audiência para apoiar a posição da Afubra de que o Brasil só deveria ratificar quando outros paises grandes produtores mundiais de tabaco o fizessem. Simon chegou a dizer que o Brasil poderia até liderar os países produtores no sentido da ratificação, mas que o Brasil deveria ratificar apenas depois que todos os outros o fizessem.

Após a audiência de 15/09/04 o projeto ficou parado em função de estarem ocorrendo as eleições municipais de primeiro e segundo turno.

No ultimo dia 10 de novembro, a RTZ alertou ao Senador Suplicy sobre as estratégias de adiamento que vinham acontecendo e das deletérias conseqüências do Brasil não ficar entre os primeiros 40 paises a ratificar: o Brasil não faria parte do bloco que negociará os protocolos do tratado, além de não poder fazer parte da secretaria que irá monitorar a implementação do acordo. Entretanto, Suplicy concordou com o pedido do Sr. Hainsi Gralow, dirigente da Afubra, para a realização de nova audiência pública no Senado, agora em Santa Cruz do Sul, e a agendou para a data de 06 de dezembro de 2004, em função ser esta a disponibilidade de agenda do parlamentar. Se a nova Audiência Pública não tivesse sido agendada e o projeto aprovado pelo Senado até 30 de novembro, data em que o Peru fez a 40ª ratificação, hoje o Brasil poderia fazer parte do seleto grupo das primeiras 40 nações a ratificarem o instrumento. Em contato com o Senador em 08/12/04 perguntei-lhe como se sentia a respeito. Respondeu-me que "não me sinto responsável".
O problema é justamente este: nenhum senador se sente responsável e defende a sociedade e muitos obviamente estão defendendo interesses contrários aos do país. Acorda sociedade brasileira! Já passou da hora de cada um de nos que já teve um tio, tia, pai, mãe, etc com diagnóstico de câncer, infarto, enfizema e tantas outras doenças devidas ao uso do tabaco de enviarmos nossas manifestações escritas ao e-mail dos senadores, darmos telefonemas mostrando em qual direção está o clamor da sociedade e, principalmente, mostrando que estamos monitorando cuidadosamente a atuação destes parlamentares em Brasília. Nossa arma é o voto: os políticos comprometidos com outros interesses que não sejam os do nosso povo devem ser rechaçados do Congresso Nacional nas próximas eleições. Temos indícios que vários deles não merecem a renovação de seus mandatos.

Fonte: RTZ em 10.12.2004