Todo mundo sabe que fumar é
prejudicial à saúde. No entanto, poucos já devem
ter parado para pensar no impacto econômico do
tabagismo. Embora as cifras bilionárias
movimentadas pela indústria do cigarro já não
sejam novidade, outros números chamam a atenção:
os custos que as doenças relacionadas ao tabaco
representam para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Pesquisa inédita feita pela Fiocruz analisou 32
doenças, entre diferentes tipos de câncer e
problemas dos aparelhos circulatório e
respiratório. Em relação a essas doenças, sob a
perspectiva do SUS, os custos totais atribuíveis
ao tabagismo no Brasil, em um ano, ultrapassaram
os R$ 330 milhões para pacientes com 35 anos ou
mais.
E esse valor pode estar subestimado, pois
só foram considerados os gastos com hospitalização
e quimioterapia, embora o tratamento para esses
pacientes, em geral, exija diversos outros
procedimentos de alta complexidade, como cirurgias
e exames caros. Além disso, o universo de doenças
relacionadas ao tabaco é maior que as 32
analisadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o fumo pode acarretar também enfermidades
ósseas, dermatológicas, reprodutivas e dentárias,
além dos danos provocados aos fumantes passivos.
Os custos para o SUS de mais de R$ 330 milhões,
contudo, não representam nem a metade do lucro
operacional em 2005 de apenas uma empresa que
opera no mercado nacional de cigarros.
O
objetivo da pesquisa, que foi a tese de doutorado
da economista Márcia Pinto, era estimar os custos
do tratamento de doenças relacionadas ao tabaco
sob duas perspectivas: a do SUS e a hospitalar. “O
trabalho se justifica pela ausência de estudos que
meçam o impacto dessas doenças no país e pela
carga econômica que o tabagismo impõe ao SUS”,
explica Márcia, que analisou dados referentes ao
ano de 2005 e concluiu a pesquisa no final de
2007. A tese, que contou com o apoio do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), incluiu consultas a
prontuários médicos e a bancos de dados do
governo. Os resultados mostram que, em 2005, 7,72%
dos custos totais de hospitalizações e
quimioterapia do SUS para indivíduos acima dos 35
anos foram atribuíveis ao tabagismo.
Estima-se
que quase 30% da população mundial sejam fumantes
e, em 2005, o tabagismo foi responsável por 5,4
milhões de mortes, o que equivale a uma morte a
cada seis segundos. A grande maioria dos fumantes
vive em países de média e baixa renda. “O Brasil é
um dos países onde o maço de cigarros é mais
barato. Existe uma relação entre tabagismo e
pobreza que não pode ser ignorada”, diz Márcia,
que defendeu a tese na Escola Nacional de Saúde
Pública (Ensp) da Fiocruz.
Sob a perspectiva
hospitalar, a economista calculou os custos do
tratamento completo de 310 pacientes fumantes ou
ex-fumantes matriculados em 2000 no Instituto
Nacional do Câncer (Inca) e em 2001 no Instituto
Nacional de Cardiologia (INC), ambos no Rio de
Janeiro. No Inca, foram estudados os casos de
câncer de pulmão, laringe e esôfago, enquanto no
INC foram analisados os dados de pacientes com
duas doenças cardíacas (angina pectoris e isquemia
crônica do coração). Nas duas instituições, os
pacientes eram, em sua maioria, de baixa renda e
fumantes pesados, pois haviam fumado de 25 a 35
cigarros por dia ao longo de 30 a 40 anos.
Para calcular os custos do tratamento
completo, Márcia somou os gastos com todos os
procedimentos médicos realizados desde o
diagnóstico até o desfecho (morte, alta ou
abandono do tratamento). Os resultados mostram que
cada paciente com câncer de pulmão custa em média
quase R$ 29 mil. A carga econômica de um paciente
com câncer de esôfago ou laringe é ainda maior: R$
33,2 mil e R$ 37,5 mil, respectivamente.
Considerando-se o número de novos casos desses
três tipos de câncer por ano e a parcela desses
casos atribuível ao tabagismo, chega-se a uma
demanda potencial de cerca de R$ 1,12 bilhão para
os cofres públicos por causa do cigarro (no caso
de o atendimento ser via SUS). “É importante
considerar que o tabagismo está associado a outros
tipos de câncer, como oral, de estômago e
pâncreas, por exemplo”, lembra Márcia.
Já em
relação às doenças cardíacas, a economista
verificou que o tratamento de um paciente com
isquemia crônica do coração sai, em média, por R$
29,7 mil, enquanto o tratamento individual da
angina pectoris fica em torno de R$ 33,1 mil. Para
efeito de comparação, o processo de doação,
retirada e captação de órgãos para transplantes
tem um custo médio inferior a R$ 3 mil, segundo a
Organização de Procura de Órgãos do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo.
A pesquisadora observou, ainda, que, muitas
vezes, o fumante ou ex-fumante, além de câncer ou
doença cardíaca, apresentava outro problema de
saúde, como hipertensão, diabetes ou doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Por um lado, a
associação de várias doenças tende a aumentar o
custo, mas, por outro, reduz a expectativa de vida
do paciente e as opções terapêuticas disponíveis.
“Soma-se a isso que, em relação ao câncer, a
grande maioria dos pacientes chega ao hospital com
a doença avançada e, para muitos, só resta como
opção o cuidado paliativo. No caso do câncer de
esôfago, mais de 94% dos indivíduos da pesquisa
foram diagnosticados já em estado grave”, sublinha
Márcia.
Como conclusões do trabalho, a
economista destaca a necessidade de se realizarem
estudos de custos que mensurem a carga econômica
do tabagismo no Brasil. “É preciso responsabilizar
a indústria do tabaco pela carga econômica imposta
ao SUS. É fundamental, também, intensificar as
ações anti-tabagismo, porque, na medida em que as
pessoas parem de fumar, haverá redução da
morbidade e da mortalidade, e o SUS poderá
destinar os recursos que seriam empregados na
assistência às doenças tabaco-relacionadas para
outras ações, como as de prevenção”, avalia a
economista, que trabalhou durante sete anos no
Inca e hoje é analista de gestão em saúde da
Fiocruz.
Fonte: Agência
Fiocruz