Cada vez
mais acuada e demonizada, a indústria do fumo segue próspera
como nunca.
Se existe algo a que a indústria do fumo
teve de se acostumar ao longo dos anos, é receber más
notícias. A última delas veio da França, no início do mês, com
a proibição do fumo em todos os ambientes fechados do país.
Com a medida, caiu um dos últimos bastões de resistência ao
antitabagismo – entre os franceses, o cigarro é considerado
parte da cultura nacional. A pátria dos mitológicos Gauloises
e Gitanes sempre ironizou as cruzadas contra o fumo conduzidas
principalmente nos Estados Unidos, mas acabou cedendo à
realidade dos problemas crescentes de saúde
pública.
Estima-se que medidas desse tipo derrubem em
até 4% o consumo de cigarros no primeiro ano de proibição –
isso em um setor que já encolhe 1% ao ano em escala global.
Seria um cenário apocalíptico para qualquer indústria. No
entanto, apesar de acuada e demonizada – não sem razão,
diga-se – a indústria do fumo segue surpreendentemente
saudável. Ela continua sendo uma das mais lucrativas do mundo,
com margens superiores às de qualquer outra voltada para
produtos de consumo.
O faturamento das multinacionais
do setor cresce, em média, a uma taxa de 3%. Ao mesmo tempo em
que o governo francês bania os fumantes para as calçadas dos
cafés e restaurantes, a agência de avaliação americana
Standard & Poor’s qualificava as ações do conglomerado
Altria – dono da Philip Morris e de marcas como Marlboro –
como uma das melhores opções de investimentos para 2008. “Os
papéis desse setor estão mais valorizados que nunca”, diz
Jonathan Leinster, analista do banco UBS em Londres. O momento
é particularmente favorável a tais ações dada a instabilidade
dos mercados financeiros mundiais. Nas bolsas de valores, os
papéis das empresas do fumo são conhecidos como “defensivos”,
pois oscilam pouco em decorrência dos bons resultados
financeiros. São, portanto, uma espécie de porto seguro para
investidores em cenários adversos, como a atual desaceleração
da economia americana.
O que explica esse paradoxo? Há
pelo menos dois fatores que permitem que uma indústria com uma
imagem tão ruim prospere.
O primeiro deles é que as
multinacionais foram muito bem-sucedidas em montar estratégias
para aumentar o faturamento nas diferentes regiões do globo.
Nos países desenvolvidos, onde em geral o consumo de cigarro
cai a um ritmo mais acelerado, optou-se por progressivos
aumentos de preços. No começo do mês, a Philip Morris anunciou
um reajuste de 2% a 4% em suas marcas na Espanha. Só essa
medida deve aumentar os lucros da companhia entre 5% e 7%,
segundo previsões do banco JP Morgan. Os consumidores, fiéis
às marcas, pagam por isso. Já nos países em desenvolvimento –
origem de dois terços das vendas das multinacionais do fumo –
as empresas têm se valido do aumento do poder aquisitivo da
população para vender suas marcas em substituição às mais
baratas que dominavam esses mercados.
O segundo fator é
que as fabricantes de cigarro têm se esforçado para afastar a
imagem de corporações malévolas, formada principalmente da
conduta prepotente que essas empresas tiveram no passado. Por
quase três décadas, as companhias do setor, em especial no
mercado americano, procuraram desqualificar todo tipo de
evidência de que o fumo tem efeitos devastadores sobre a
saúde. Da mesma forma, avançaram com estratégias de marketing
sobre os consumidores mais jovens, associando o fumo a
esportes radicais e estilo de vida arrojado – uma forma de
cativar compradores que estarão no mercado por décadas. Hoje,
a situação é outra. Proibida de anunciar seus produtos em
vários países – entre eles o Brasil – a indústria cedeu e
mudou de posição. “O cigarro vicia e causa doenças graves.
Qualquer pessoa preocupada com as conseqüências do produto
para a saúde só tem uma alternativa: parar de fumar”, diz
Amâncio Sampaio, presidente da filial brasileira da Philip
Morris, expressando a atual postura global da companhia,
divulgada sempre que possível.
No Brasil, mesmo com a
publicidade proibida, a líder de mercado Souza Cruz mantém
anúncios em jornais e revistas que divulgam as políticas de
responsabilidade social da empresa – sem fazer menção ao
cigarro, o que é perfeitamente legal. A empresa também
continua próxima aos jovens, mas agora de uma maneira
totalmente diferente. Por meio de um programa de palestras e
do portal de internet Diálogos Universitários, patrocina
encontros de celebridades esportivas, como o velejador Lars
Grael e o técnico de vôlei Bernardinho, com estudantes de todo
o país.
Em um século de história, não foram poucas as
vezes em que se previu o fim da indústria do fumo. Foi assim
na década de 50, quando se descobriram os efeitos nocivos do
cigarro à saúde, e nos anos 90, com a enxurrada de ações
indenizatórias na Justiça Americana. Mesmo com a indústria se
recuperando a cada golpe, muitos analistas consideram a
produção de cigarros uma atividade de futuro limitado. “Esse
setor sabe resistir aos baques, mas o negócio de cigarros está
em declínio”, diz Janice Hofferber, da agência Moody’s. Há
dois anos, a Philip Morris lançou um tipo de tabaco que não
produz fumaça e atualmente está desenvolvendo cigarros que
produzem menos danos à saúde. A questão é convencer os
consumidores de que esses produtos podem substituir os
cigarros sem oferecer os mesmos riscos – esse sim o gigantesco
desafio da indústria do fumo daqui para a frente.
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