A atividade criminosa viciou o sentimento social

Mário Albanese

A anomalia de fumar em ambientes fechados ficou tão normal que solicitar paridade de tratamento virou privilégio. O debate antifumo precisa superar o viés equivocado que admite o tabagismo nos ambientes fechados. É mais um vôo cego na desastrada aventura do tabagismo.

O aforismo, uma afirmação que contém uma regra ou princípio de grande valia, está sempre presente na propaganda do fumo. A certeza sentenciosa por exemplo, do Filtro 3 TEK com Charcoal Technology anunciado no cigarro da marca KENT, é um aforismo que não admite meia verdade. É sentencioso e, em nome do lucro! Pode-se afirmar que a sociedade está viciada pelo desrespeito à lei e tornou-se vítima que passivamente a tudo assiste! Não preciso ser especialista para deduzir que a indústria de salvo-conduto e liminares a bandidos, tornou-se combustível ideal da baderna existente que aprimora e incentiva a corrupção.

Não há nada de contraditório em se exigir ambientes livres de fumo. Infelizmente a fiscalização é pífia, para não dizer inexistente, comparada à necessidade. Afinal, o direito coletivo é uma dimensão da experiência individual, um mecanismo aceito de sociabilidade, de educação e respeito. Funciona como conduta ética para regular ações dos indivíduos, fato que não se confunde com preconceito, perda de liberdade ou segregação. Não se trata de neurastenia, censura ou invasão de privacidade e sim, direito coletivo. As pessoas com compromisso público perceberão que oferta em excesso e superexposição do cigarro como produto induz e incrementa o consumo. É inadmissível que passados 30 anos da promulgação do Código Sanitário e 8 da criação da ANVISA, nada tenha sido feito para banir o tabagismo dos locais fechados. A lei federal é de 96 e a maioria dos locais não foram sequer sinalizados com a proibição... , um escárnio! Todos sabem como o vício se inicia mas nunca como termina! Chega de metáforas e de discussões inúteis, o tabagismo é uma epidemia somente comparável à corrupção. Para as tabaqueiras, esconjurar o pagamento de indenização, é cômodo e seguro porque o viciado no tabagismo jamais agirá contra seu interesse e necessidade de repor nicotina no organismo. Conseguiram, à perfeição, seu objetivo dissimulado de criar uma cumplicidade cordial com os fumantes. Na hora de indenizar o discurso é outro... Assim, inebriadas com a própria audácia e com foco no lucro, as tabaqueiras não têm limites e disseminam a cultura da impunidade porque realmente acreditam que a justiça no Brasil é cega. De acordo com o noticiário que se repete diariamente, o judiciário não está imune à corrupção , um mal que atinge também a imprensa, a religião, o esporte e a política. O mapa da mina, descoberto pelo vigarista de plantão, é noticiado fartamente mas o problema do tabagismo em ambientes fechados não se resolve. A doutrina das trevas das tabaqueiras, embaçada por tanta fumaça, propaga impunemente sua responsabilidade social de viciar, adoecer e matar os consumidores do produto que fabricam... Em nome do pragmatismo a sociedade incorporou os vícios do sistema político do país. O sentimento de indignação e o clamor de alguns poucos pela punição e legalidade não são suficientes para mobilizar a opinião pública. Exige-se justiça sem açodamento nem abusos, apenas justiça! Concausas e tramas paralelas complicam a compreensão do verdadeiro significado do tabagismo. Baixeza contra a saúde pública é conviver em ambientes enfumaçados por omissão das autoridades constituídas... Não se deve abdicar de exigir tratamento decente e digno nos restaurantes, na condução, no trabalho, em casa seja onde for.

Busco realizar um jornalismo de idéias, com raízes na verdade comprovada pela ciência e à revelia do controle sujo e imoral das tabaqueiras. Nessa competição a saúde pública perde de goleada para o vício e para a vulnerabilidade social hesitante e confusa. A veracidade e a relevância dos temas, a sugestão, o debate de idéias, o uso adequado das palavras objetivam mudar a atitude e o conceito da população. É compreensível a apreensão dos menos informados diante da contradição existente entre o vício e a liberdade de expressão, opção individual etc. Enquanto a verdade não vem à tona para mostrar os efeitos nefastos do tabagismo para a saúde pública, discute-se o direito privado de fumar em local público fechado. O desvão, criado pela atividade criminosa, viciou o sentimento social. Chega de circunlóquios, pleonasmo e sinonímia, dependente químico, adicto ou viciado, são causas de um mesmo problema: o tabagismo! Acreditando que o pensamento cria, o desejo atrai e a fé no trabalho realiza, conto com seu imprescindível apoio.

Com particular consideração, Mário Albanese.
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AMATA, em 29/01/08