Baforadas sem prazer

Eliminar a satisfação proporcionada pelo cigarro – esse é o caminho das novas terapias contra o tabagismo

Paula Neiva

Depois da morfina, a nicotina é a droga que mais causa dependência. Por causa disso, poucos fumantes conseguem abandonar o vício do cigarro – a taxa de sucesso dos tratamentos atuais é de apenas 25%, em média. Quatro novos medicamentos prometem tornar a luta contra o tabaco mais efetiva e menos penosa: comprimidos à base da substância varenicline, o Acomplia (nome comercial da substância rimonabant) e as vacinas NicVax e Ta-Nic. "O grande trunfo do novo arsenal antifumo é fazer com que o ato de fumar deixe de proporcionar prazer ao fumante", diz a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, diretora do ambulatório de tabagismo do Instituto do Coração, de São Paulo. É o contrário do princípio das terapias tradicionais, que consistem no uso de antidepressivos ou na reposição de nicotina, por meio de adesivo transdérmico, chiclete ou spray nasal. Todas elas buscam emular os efeitos agradáveis do cigarro no organismo.

O lançamento do Acomplia no Brasil está previsto para 2006. O remédio atua no mecanismo cerebral de recompensa, inibindo a sensação de prazer proporcionada pela comida e pela nicotina. Dos pacientes tratados com o Acomplia, 40% se livraram do cigarro. As vacinas, que estão em fase de testes, ainda não têm previsão de lançamento. Elas também buscam dissociar o ato de fumar de sensações gratificantes. Quanto aos comprimidos de varenicline, eles imitam a ação da nicotina no cérebro, satisfazendo a compulsão por cigarro (veja quadro).

Todos os anos 4 milhões de pessoas no mundo morrem vítimas de doenças associadas ao cigarro. O tabagismo está entre os principais fatores de risco para infartos, derrames, diabetes e vários tipos de câncer, entre outros males. Foi somente a partir do fim dos anos 80, no entanto, que o cerco ao tabagismo apertou, com a criação das primeiras leis antitabagistas. Os primeiros sinais da cruzada contra o fumo já começam a aparecer: no Brasil, o consumo anual de cigarros caiu 32% entre 1989 e 2002. Essa queda foi registrada sobretudo nas classes mais altas. Por ser extremamente nocivo à saúde, fumar passou a ser um ato socialmente condenável, associado a gente sem informação. Não é preconceito, não: pelas contas do Ministério da Saúde, a maioria dos fumantes brasileiros tem menos de oito anos de escolaridade. As campanhas contra o cigarro, portanto, deveriam ser direcionadas principalmente para esse público. Além disso, seria interessante que o sistema de saúde facilitasse o acesso aos diversos tratamentos – novos ou não – que combatem o tabagismo.

Fonte: Veja em 23-05-2005.