Lupion e Heinze reproduziram, em voto por escrito, partes inteiras de parecer do Sindifumo contra projeto que muda indústria

Brasil

RUBENS VALENTE
LEANDRO BEGUOCI

Dois deputados federais copiaram, num voto em separado apresentado na Comissão de Agricultura da Câmara, trechos inteiros de um documento usado pelo Sindifumo (Sindicato da Indústria do Fumo) para fazer lobby contra a aprovação de um projeto de lei que muda práticas do setor.

A proposta prevê a participação de pequenos agricultores no processo de classificação das folhas de fumo e a responsabilização legal das empresas por problemas de saúde nos agricultores decorrentes do uso de agrotóxicos.

Um dos parlamentares que apresentou o voto, Luis Carlos Heinze (PP-RS), recebeu R$ 120 mil em doações, na última campanha eleitoral, das empresas Alliance One Tabaco e CTA Continental, duas das maiores empresas do setor.

"Meu voto não é baseado no sindicato do fumo. Tem várias entidades com a mesma posição", disse Heinze. O presidente do Sindifumo explicou a distribuição do texto aos parlamentares. "Nós fizemos um esclarecimento de o porquê de esse projeto ser impraticável. Foi um posicionamento do setor, porque esse projeto efetivamente, em vez de ajudar, atrapalharia".

Sediado no Rio Grande do Sul, o Sindifumo tem como filiadas as 12 maiores indústria tabagistas do país, como a Alliance e a Souza Cruz. Em 2005, o setor exportou US$ 1,7 bilhão em produtos.

Em agosto de 2003, o relator do projeto, deputado Assis Couto (PT-RS), deu parecer favorável à proposta. Couto afirmou, em seu parecer, que o projeto poderia reduzir o número de suicídios, associados em estudo médico ao uso de agrotóxicos. Em Venâncio Aires (RS), região que é grande produtora de fumo, o índice de suicídio seria de 37,22% por 100 mil habitantes, "um dos mais altos do mundo", segundo o parecer do deputado.

Em setembro, logo após o projeto ter sido aprovado pelo relator, o lobby das indústrias entrou em ação.

Naquele mês, o sindicato distribuiu aos membros da comissão na Câmara um documento que apresentava duas perguntas e nove argumentos contrários ao projeto, formulado em 1997 pelo deputado Adão Pretto (PT-RS).

No dia 11 de setembro, o projeto foi retirado da pauta por iniciativa do deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), um dos líderes da bancada ruralista no Congresso, que teve sua campanha em 2006 quase toda financiada pela agroindústria.

Seis dias depois, o voto em separado, assinado pelos deputados Heinze e Lupion, foi apresentado com a reprodução, às vezes literal, de oito dos nove argumentos e das mesmas perguntas feitas pelas empresas produtoras de fumo.

As indústrias do fumo, no documento do lobby distribuído aos deputados, afirmaram que o projeto de lei é "impraticável" por causa, entre outros aspectos, da "dimensão geográfica das áreas de produção de fumo, abrangendo mais de 700 municípios nos três Estados do sul do Brasil".

No voto dos separados, um dos aspectos da "impraticabilidade" apontado foi "a dimensão geográfica das áreas de produção de fumo, que abrangemais de 700 municípios no sul do Brasil".

Mais adiante, o documento das empresas afirma: "Os produtores vendem sua produção de fumo às empresas industrializadoras em torno de cinco remessas cada um, o que ocorre na medida em que vão concluindo as etapas que antecedem a venda (cura/secagem, separação, classificação das folhas, fazer manocas, enfardar etc); assim, a comercialização de uma safra teria cerca de 1 milhão de operações".

No voto dos deputados, o trecho ficou assim: "Os produtores vendem sua produção às indústrias em cinco remessas, o que ocorre na medida em que vão concluindo as etapas que antecedem a venda (cura/secagem, separação, classificação das folhas, enfardamento etc). Assim, a comercialização de cada safra teria cerca de 1 milhão de operações".

O documento das indústrias terminava com uma indagação aos deputados: "Considerando-se que o prazo de comercialização é aproximadamente cinco meses, como se evitaria e quem arcaria com os riscos de prejuízos/perdas ao produtor por incidência da umidade, mofo, perda de cor etc do fumo estocado no paiol?".

Os deputados, em seu voto, também perguntaram: "Considerando-se que o prazo de comercialização é, de aproximadamente, (sic) 5 meses, como se poderá evitar e quem assumirá os riscos de prejuízos ou perdas do produtor por incidência de umidade, mofo, perda de cor etc do fumo estocado no paiol?"

Folha de São Paulo, em 25/11/06