Especial Saúde
CRUZADA CONTRA O CIGARRO. MODELO INGLÊS NO BRASIL
Martin Raw, uma das maiores autoridades mundiais em campanhas antitabagistas,
em visita a São Paulo, analisa as políticas públicas
de combate ao fumo e propõe soluções
Por Riad Younes
A epidemia do tabaco continua assolando o mundo. Pesquisas e mais pesquisas
confirmam os perigos do cigarro e insistem nas vantagens de parar de
fumar. Recentemente, o dr. Martin Raw, um dos maiores especialistas
do mundo na área de tabagismo, lançou um livro aqui no
Brasil. Toda a sua carreira é dirigida para transformar estudos
acadêmicos em resultados práticos que modifiquem e criem
novas políticas governamentais. Formado pela Universidade Oxford,
na Inglaterra, em 1972, publicou, na década de 80, um relatório
em que argumentava que os fumantes deviam receber tratamento no British
National Health Service, como qualquer outro usuário de drogas.
Essa recomendação finalmente se tornou realidade em 1999.
Também liderou o projeto em que, com outros autores, estabeleceu
as diretrizes nacionais para programas de cessação ! de
tabagismo na Inglaterra.
É atualmente professor visitante da Escola Paulista de Medicina
da Universidade de São Paulo (Unifesp) e conferencista honorário
sobre Saúde Pública na Universidade de Londres. Aproveitamos
sua presença em São Paulo para conversar sobre o tabagismo.
CartaCapital: Atualmente, o número de fumantes no Brasil está
aumentando ou diminuindo?
Martin Raw: Não é possível saber, pois o governo
brasileiro não tem feito pesquisas regulares em âmbito
nacional para determinar se o número de fumantes está
diminuindo, aumentando ou se mantendo. Esse tipo de pesquisa precisa
ser feito regularmente em todo o país. Só assim é
possível identificar a eficácia das políticas antitabagistas.
CC: Por que parar de fumar?
MR: Porque fumar é altamente perigoso para a s! aúde.
Os fumantes não sabem que metade deles morre mais cedo por causa
do cigarro. Sem contar que eles perdem em média dez anos de vida,
mas, para quem fuma muito, essa perda pode chegar a 20 anos. Isso significa
morrer aos 50 anos exatamente quando as pessoas estão
sonhando em desfrutar o crescimento dos netos.
CC: Em quanto tempo aparecem os benefícios após parar
de fumar?
MR: Imediatamente, mas quanto mais tempo a pessoa ficar sem fumar, maiores
os benefícios.
CC: De cada cem pessoas que querem parar de fumar, quantas conseguem
sem nenhuma ajuda?
MR: Muito poucas. Na Inglaterra, apenas 3% dos fumantes conseguem parar
de fumar sem nenhuma ajuda.
Raw.
O consumo está relacionado com o preço
CC: Por que este índice tão baixo de sucesso?
MR: Porque a nicotina vicia muito. É tão viciante quanto
a heroína e a cocaína.
CC: Como podemos melhorar esse índice, sem ajuda especializada?
O que o senhor sugere aos fumantes?
MR: Os dados de pesquisas na Europa mostram que o número de pessoas
que obtiveram sucesso na tentativa de parar de fumar sem ajuda é
muito baixo. Não é possível melhorar esse índice
sem ajuda especializada e um forte programa governamental. Sugiro que
os fumantes peçam ajuda e pressionem o governo a desenvolver
políticas que os beneficiem.
CC: Se a pessoa não consegue sozinha, qual seria o próximo
passo?
MR: Procurar ajuda externa. Ir até um hospital e verificar se
ele oferece um serviço de tratamento público para ajudar
a parar de fumar. Outras pos! sibilidades são: ler um livro de
auto-ajuda, buscar auxílio médico, fazer uso dos medicamentos
com ajuda médica. Sugiro também uma consulta à
Rede Tabaco Zero (A Rede Tabaco Zero é composta de organizações
da sociedade civil, associações médicas, comunidades
científicas, ativistas e pessoas interessadas em coibir a expansão
da epidemia tabagista www.tabacozero.net.)
CC: Suplementação de nicotina ajuda?
MR: Sim. Existem dois medicamentos importantes: terapia de reposição
de nicotina (TRN) e bupropiona (Zyban). Ambos aproximadamente dobram
a probabilidade de o fumante obter sucesso.
CC: Por que não ajudam a todos?
MR: Porque existem outros aspectos envolvidos, não apenas o efeito
da nicotina. Fumar é um hábito social e psicológico
e o sucesso depende não apenas da ! própria pessoa, mas
também de seu ambiente externo.
CC: E os antidepressivos, como funcionam?
MR: Como mencionei acima, a bupropiona funciona. Só que não
sabemos exatamente como. Sabemos, sim, que não está relacionada
com seu efeito antidepressivo. Seu uso teve início acidentalmente,
quando pesquisadores verificaram que muitos indivíduos que estavam
usando bupropiona pararam de fumar.
CC: Se uma pessoa utilizar tanto a nicotina quanto os antidepressivos,
ao mesmo tempo, como ficam suas chances de abandonar o fumo?
MR: Algumas pesquisas indicam que o uso combinado de TRN com Zyban aumenta
a probabilidade de sucesso, porém seria necessário um
maior número de pesquisas para termos certeza.
CC: Esse esquema pode ser utilizado por pessoa idosa ou com problemas
cardíacos?
MR: Ainda não temos pesquisas suficientes para garantir is! so.
Em pessoas idosas, aparentemente, não há problema. Mas
é sempre uma boa idéia ser acompanhado por seu médico.
CC: Quem sofre de depressão e já toma um antidepressivo,
qual seria a estratégia para parar de fumar?
MR: Nesse caso é definitivamente necessário discutir com
seu médico. Mas posso dizer por experiência que esse fumante
precisa de mais apoio do que uma pessoa que não tenha depressão.
O mais recomendado é buscar ajuda especializada para obter o
apoio do qual vai precisar.
CC: Se o senhor fosse um legislador, como abordaria o problema do tabagismo
no Brasil?
MR: Pesquisas ao redor do mundo sugerem o caminho da prevenção.
Naturalmente é preciso ação política e investimento.
Essas pesquisas demonstram que, quanto mais se investe, melhores e maiores
resultados são obtidos. Nos! últimos 20 anos, os lugares
que experimentaram maior redução em seus índices
de tabagismo foram os que mais investiram: Califórnia e Massachusetts,
nos EUA, além do Reino Unido e da Austrália.
CC: O que o Brasil deveria fazer?
MR: Seguir o exemplo desses países, como já o fizeram
Nova York e a Irlanda. Desta maneira, o Brasil deveria primeiramente
aumentar o preço do cigarro. Para se ter uma idéia, na
Inglaterra um maço custa em média R$ 20, e no Brasil a
média é de R$ 2. Não é possível ter
uma campanha antitabagista séria com preços tão
baixos. O consumo está relacionado com o preço. E o governo
não gasta nada com essa política, ao contrário,
ele se beneficia. Por outro lado, os medicamentos para parar de fumar
têm um custo alto e o governo deveria fornecê-los ! gratuitamente
para todos os fumantes que os procurassem. Deveria ser proibido fumar
no local de trabalho e em locais públicos. Essa lei tem se mostrado
popular nos países em que foi implementada. Na Irlanda, por exemplo,
os comerciantes ficaram muito preocupados em perder seus clientes, mas
as primeiras pesquisas indicam que seus negócios não estão
sendo prejudicados.
CC: Por quê?
MR: Possivelmente porque a maioria das pessoas não é fumante
e agora elas estão freqüentando mais restaurantes e bares.
O governo deveria investir mais em educação e campanhas
publicitárias. A idéia é tornar mais fácil
o acesso a tratamento e mais difícil consumir produtos perigosos,
como o cigarro. O Brasil proíbe a propaganda do cigarro, o que
já é muito importante. Deve também regulamentar
como a indústria identifica o produt! o. Na Europa, as expressões
light e baixo teor foram banidas das embalagens
porque dão uma falsa esperança e vendem uma imagem distorcida.
CC: O governo deve envolver-se em política de redução
do consumo de uma de suas maiores fontes de receita: imposto do cigarro?
MR: Sim. Pesquisas econômicas em diversos países demonstram
que o aumento no preço do cigarro não só reduz
o tabagismo como aumenta a receita.
CC: O senhor lançou recentemente um livro (Pare de Fumar para
Sempre, editora Publifolha), o que o diferencia dos outros livros que
já estão no mercado sobre o mesmo assunto?
MR: Meu livro contém um planejamento para o fumante seguir depois
de responder à pergunta principal: se realmente QUER parar de
fumar. E, além disso, ajuda a pessoa a responder essa pergunta.
Dá dicas de como reagir a uma recaí! ;da, algo absolutamente
normal. Poucas pessoas sabem que, em média, um ex-fumante pára
três vezes até conseguir largar o cigarro definitivamente.
No meu livro eu digo que, em vez de ficar deprimido e se entregar ao
vício, o paciente deve aprender com a experiência. Isso
baseado nas últimas pesquisas científicas e na minha própria
experiência, de mais de 30 anos ajudando as pessoas a parar. Menciono
também pontos que são obstáculos para parar, como,
por exemplo, o fumante que tem medo de parar e engordar. Dou sugestões
do que fazer.
Fonte: Carta Capital em 26.01.2005.