Publicado em: 07/05/2007
A partir das 5 horas de segunda-feira
passada, dia 30 de abril, está proibido fumar em
lugares públicos - bares, restaurantes e locais
de trabalho - na Irlanda do Norte. Na Escócia, o
fumo foi proibido nestes locais em março do ano
passado e, no País de Gales, um mês depois. No
próximo mês de julho, será a vez da Inglaterra
proibir o cigarro. O governo britânico proibirá
o fumo também em todas as embarcações que
naveguem por águas territoriais do Reino Unido.
A Irlanda - leio nos jornais - foi o primeiro
país a vetar totalmente o tabaco em locais
públicos, em março de 2004. O exemplo foi
seguido pela Noruega, Espanha, Itália, Malta,
Suécia, Escócia, Gales, Letônia e Lituânia. Mês
passado, os 16 Estados da Federação Alemã
aprovaram a proibição do fumo em restaurantes,
com algumas exceções.
Os dias não são
propícios para fumantes na Europa. Em fevereiro
último, eu estava em Paris quando o fumo foi
vetado em lugares públicos. Foi concedido um
prazo adicional de onze meses para cafés,
restaurantes (em ambientes separados), cassinos
e discotecas. Dia 1º de janeiro do ano que vem,
fim da tolerância. Nalgum jornal francês, li
algo sobre um certo “cabinet suédois” que certos
cafés estariam pensando em instalar. A
reportagem não explicava em que consistia, mas
pelo que entendi seria uma espécie de banheiro
concebido exclusivamente para fumar. Porque nos
banheiros propriamente ditos também não se
poderá fumar. Curioso imaginar os clientes indo
de vez em quando ao "cabinet", para exonerar-se
de suas vis necessidades.
Os fumantes
estão sendo tratados como leprosos na Europa
atual. Em aviões, não se fuma mais. Em trens, se
antes havia um vagão para fumantes, agora não há
mais. Nas gares e aeroportos, também é proibido
fumar. Alguns aeroportos reservam um pequeno
espaço para os leprosos, que ficam como que
engaiolados para a contemplação piedosa dos
demais usuários. Eu, que defendo o sagrado
direito de todo cidadão adulto chupar câncer,
acho que a Europa exagera. Não vejo maiores
inconvenientes de fumar em grandes espaços como
aeroportos e gares. Mas os governos europeus
deixam claro a seus súditos e demais visitantes
que o continente já não tolera o tabagismo. O
fato é que estas determinações complicam a vida
até mesmo do não-fumante. Se você não fuma e seu
companheiro ou companheira de viagem é fumante
compulsivo, prepare-se para não poucas
incomodações.
No fundo, têm razão. O
cigarro está matando demais. Ainda em Paris,
testemunhei um episódio que dá plenas razões aos
adversários do fumo. Um senhor de uns 60 anos,
que só conseguia respirar plugado a um tubo de
oxigênio, carregado nesses porta-malas de
rodinhas, entrou num tabac. São os
quiosques onde se vende cigarro na França. Sei
lá porque razões, seu símbolo é um acrílico em
forma de carotte (cenoura). Se você
quiser cigarro, busque a carotte nas
ruas. Pois aquele velhote trôpego, que só
conseguia respirar com um tubo de oxigênio,
entrou no tabac e pediu dois Gauloises,
o mata-ratos francês. Enfim, talvez tivesse
também sua razão. Se estava para morrer, por que
privar-se de seus prazeres?
O tabagismo,
para quem não sabe, é o principal legado dos
indígenas da América Latina ao mundo. Claro que
nenhum rousseauniano defensor do bon
sauvage gosta de ouvir isto. Jean Nicotin -
daí nicotina - era embaixador francês em
Portugal em meados do século XVI e levou uma
folha da planta que receberia seu nome para a
rainha Catarina de Médicis. O tabagismo, no
fundo, é uma vingança póstuma do índio
colonizado. Ao mesmo tempo em que a Europa tenta
exorcizá-lo, uma outra droga está perdendo seu
poder no velho continente, o
cristianismo.
Nestes mesmos dias, os
jornais trazem também outra notícia alvissareira
da Europa. Em crise, as paróquias estão vendendo
igrejas. A perda de clientela está levando
padres e pastores europeus a comercializar
prédios para fins residenciais. "Cada vez mais,
o fenômeno da venda de igrejas vem ganhando
força em vários países europeus diante da
redução drástica de fiéis nos últimos dez anos
nos templos". Se por um lado o maior número de
vendas ocorre na Inglaterra, Escócia, Suíça e
países escandinavos - redutos fundamentalmente
protestantes ou luteranos - o fenômeno também se
manifesta nas católicas Itália e
Espanha.
Segundo o jornal The
Times, mais de mil igrejas poderiam
fechar ou ser vendidas nos próximos dez anos na
Inglaterra. Sir Roy Strong, líder religioso de
destaque, chegou a propor que pequenas igrejas
dividam seus espaços com centros comunitários e
mercados para agricultores. Em Kent, uma das
igrejas da região já se transformou em um local
de vendas de produtos naturais. Em Yorkshire
Dale, a transformação de uma igreja em templo
muçulmano gerou protestos, mas acabou sendo
aprovada. Territórios sagrados estão passando a
ser anunciados nos classificados de imóveis. Por
outro lado, candidato é o que não falta para
transformar um antigo templo em sua moradia. Há
quem ache agradável morar em um local onde
tantas pessoas viveram grandes momentos, como
casamentos ou batizados.
Os fatos
confirmam uma minha antiga tese, a de que a
Europa está se libertando aos poucos de dois
grandes males da humanidade, o cristianismo e o
tabagismo. Ao que tudo indica, estas tendências
estão contaminando o Brasil. Já não são poucas
as restrições ao cigarro nas capitais do país.
Quanto à religião, quem o afirma é uma fonte
insuspeita, Don Odilo Scherer, novo arcebispo
metropolitano de São Paulo. Nestes dias em que o
maior traficante internacional de drogas está
por chegar com toda pompa a São Paulo, o
príncipe da Igreja, preocupado com o que chama
de "fuga silenciosa de católicos", disse a
respeito da atual migração religiosa: "É um
fenômeno que atinge não somente a igreja
católica. A migração religiosa afeta a todos.
Estamos nos debruçando sobre a compreensão desse
fenômeno, que nos incomoda". Continuou ainda o
purpurado: "A oferta é muita. Vivemos no Brasil
o efeito da modernidade. As pessoas se assumem
como autônomas e livres do ponto de vista
religioso".
E depois ainda há quem diga
que os jornais só trazem notícias ruins.
Cristaldo
é jornalista, escritor e tradutor e vive em São
Paulo. | |