Apesar de São Paulo contar com uma lei que disciplina o fumo em locais públicos desde 1980, muitos estabelecimentos ainda teimam em não respeitá-la
Com reportagem de Aretha Yarak, Edison Veiga, Fabio Wright, Filipe Vilicic, José Flávio Júnior, Maria Paola de Salvo, Mário Rodrigues, Miguel Barbieri Jr., Mônica Santos e Sandra Soares
Foto Mario Rodrigues/Ilustração Negreiros
A responsável por essa mudança de comportamento foi a medicina, que começou a apontar o cigarro, antes considerado inofensivo, como um poço de malefícios para a saúde de quem fuma e de quem está por perto da fumaça. "De cada 100 pessoas que desenvolvem câncer de pulmão, noventa são fumantes", afirma a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, diretora do ambulatório de tabagismo do Instituto do Coração (Incor). Segundo um estudo do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o número de fumantes no país vem caindo. Em 1989, 34,8% dos brasileiros com mais de 12 anos de idade fumavam, contra 22% em 2003. Na cidade, esse índice é ainda menor. De acordo com o instituto, 19,9% dos paulistanos fumam. Com os números seguindo ladeira abaixo é óbvio que a tolerância também diminuiu. A lei que começou a disciplinar o fumo em São Paulo foi aprovada em 1980. Ela restringe o cigarro em vinte locais, como elevadores, interior de veículos de transporte coletivo e bibliotecas. Entre 1990 e 2003, as regras foram complementadas por outras seis leis e dois decretos que ampliaram os espaços onde acender cigarros é proibido. Passaram a ser enquadrados, então, bares, restaurantes, lanchonetes, casas de shows e casas noturnas, entre outros. É uma tendência mundial. Além de cidades americanas, Escócia, Irlanda do Norte e França proíbem o tabagismo em locais públicos. Na Inglaterra, a lei começará a valer em 1º de julho (veja quadro).
"Não é questão de discriminar quem fuma", diz o pneumologista Sergio Ricardo Santos, coordenador do ambulatório de tabagismo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Só estamos tentando proteger os fumantes passivos." Pessoas que constantemente inalam fumaça de cigarro, mesmo que nunca levem um à boca, correm 24% mais risco de enfartar e têm probabilidade 30% maior de desenvolver câncer de pulmão do que aquelas que não estão expostas ao fumo. Nessa mesma condição, bebês apresentam risco cinco vezes maior de sofrer de morte súbita infantil. "A Organização Mundial de Saúde aponta o tabagismo passivo como a terceira maior causa de morte evitável, só atrás do próprio tabagismo e do alcoolismo", diz Santos. O ar poluído com a queima do cigarro contém, em média, cinqüenta vezes mais substâncias cancerígenas do que a fumaça que entra pela boca do fumante depois de passar pelo filtro. "Um período de meia hora de exposição ao cigarro já é avaliado como quadro de risco para o fumante passivo ter crises de asma", completa Jaqueline, do Incor.
Mas, mesmo com esses 27 anos de combate ao tabagismo, a cortina de fumaça ainda se espalha pela cidade. Veja São Paulo testou, entre 17 de maio e 5 de junho, cinqüenta locais públicos onde fumar deveria ser proibido. Resultado: 64% não respeitaram a lei. O maior empecilho enfrentado pela prefeitura para conter o fumo em locais fechados é a fiscalização. Tal serviço fica nas mãos dos 700 agentes da Secretaria das Subprefeituras. São os mesmos que cuidam de todas as outras vistorias da cidade, como as da lei Cidade Limpa, as calçadas esburacadas, baladas barulhentas, construções irregulares... Ao todo, eles são responsáveis por 600 atribuições. "No fim das contas, dependemos de denúncias da população", diz Clayton Claro da Costa, supervisor-geral de Uso e Ocupação do Solo da Secretaria das Subprefeituras. As reclamações devem ser feitas pelo * 156. A partir daí, um fiscal visitará o lugar atrás de possíveis irregularidades. Mas que ninguém espere agilidade. A visita não é imediata e, pasmem, nunca feita à noite, quando a maior parte de bares e boates é aberta. "No período noturno, temos apenas um agente de plantão em cada uma das 31 subprefeituras paulistanas, que só atende emergências", diz Costa. E cigarros acesos em ambientes fechados não é uma delas.
Apesar de a multa ser salgada (cerca de 800 reais, duas vezes mais que o cobrado em Paris, por exemplo), a falta de eficiência na hora de aplicá-la contribui para o descumprimento da lei. Neste ano, somente quatro estabelecimentos foram autuados: três padarias e um empório, todos no bairro da Mooca. Uma piada para uma cidade que tem aproximadamente 12.500 restaurantes e 15.000 bares, segundo a SPTuris. Pior, de 1997 até o ano passado, não mais que seis estabelecimentos receberam multa. O único período em que houve blitze específicas sobre o tema foram nos dois últimos anos do mandato do prefeito Paulo Maluf, em 1995 e 1996, quando ele resolveu adotar a bandeira antitabagista e distribuiu 84 multas.
Quem é pego em situação irregular ainda reclama da punição. "Foi uma injustiça. Não deixo meus clientes fumar nem vendo cigarros aqui", queixa-se a proprietária do Empório Maria Pia, Solange Moreira de Almeida, multada pela Subprefeitura da Mooca há dois meses por não exibir placas de sinalização proibindo o fumo. Ela conta que um fiscal apareceu no meio da tarde perguntando sobre os avisos. "Não sabíamos que era obrigatório, mas já colocamos. Vou recorrer dessa multa." Além dos estabelecimentos, os próprios fumantes podem ser condenados a pagar os tais 800 reais. Pelo menos poderiam, se a legislação fosse mais clara. "Na prática, não temos como fazer isso", admite Costa. Até hoje, não há registros de cidadãos multados por fumar em locais fechados. "Como devemos lavrar essa multa? Pelo documento de identidade? Pelo endereço? A lei garante que isso pode ser feito, mas não explica como."
Essa é apenas uma das brechas que a legislação apresenta. Teatros e cinemas não devem permitir cigarros acesos, mas não existem regras explícitas com relação a halls de entrada, mesmo que esses espaços funcionem como cafés. "Não há nada que regulamente isso", explica Costa. No caso de bares e restaurantes, a lei paulistana é bem mais branda que a de outras capitais no exterior. Casas com menos de 100 metros quadrados – incluídos aí cozinha, recepção, despensa... – devem ser livres de fumaça. Já as com área igual ou maior precisam reservar ao menos 50% de seu salão para não-fumantes. Os restaurantes costumam respeitar essa divisão, mas, como não precisam deixar os fumantes em um ambiente isolado, a separação é, na maioria dos casos, apenas imaginária. Por isso, não se espante caso alguém acenda um cigarro a alguns centímetros de uma mesa reservada a quem não fuma. "É um absurdo, reconheço", diz Costa, o coordenador dos fiscais da Secretaria das Subprefeituras. "Mas a lei foi redigida assim, sem especificações." Nesse caso, infelizmente, virou fumaça.
Bares
Restaurantes
Assim como lanchonetes, docerias, sorveterias, rotisserias e cafés, os restaurantes precisam obedecer à mesma regra que vale para os bares. Os cinco restaurantes visitados pela reportagem de Veja São Paulo possuem áreas exclusivas para fumantes. Em todos, os repórteres foram proibidos de acender um cigarro fora delas. Em dois dos estabelecimentos (o Galeto's da Alameda Santos com a Rua Augusta e a unidade Barra Funda da churrascaria Novilho de Prata), os clientes foram indagados sobre a preferência por mesas no setor de fumantes ou não. Nos outros três (Empório Ravioli, Lellis Tratoria e unidade Higienópolis da pizzaria Bráz), o garçom só indicou as áreas após ser questionado sobre onde elas ficavam. Apenas no Empório Ravioli há cartazes (discretos) sinalizando os setores onde as baforadas não são bem-vindas – a lei determina que sejam colocadas placas de sinalização "em pontos de ampla visibilidade e de fácil identificação pelo público". Nos cinco estabelecimentos, as dependências dedicadas a fumantes ou não-fumantes fazem fronteira uma com a outra. Ou seja, quem se senta no encontro entre as duas áreas fica sujeito à fumaça que chega do perímetro vizinho. Afinal, o cliente – e o restaurante – pode até cumprir a lei, mas a fumaça não respeita divisões imaginárias.
Em ônibus, metrô e táxis
Shoppings
Postos de gasolina
Na lei municipal, postos de gasolina são enquadrados na categoria "locais por natureza vulneráveis a incêndios". A reportagem de Veja São Paulo visitou cinco postos (das bandeiras Ipiranga, BR, Texaco e Shell). Em todos, o repórter parou o carro e desceu para acender o cigarro. Ficou a poucos metros das bombas de gasolina, mas não foi repreendido. No Posto Pinho, localizado na Rua Paes Leme, em Pinheiros, o frentista que atendeu a reportagem estava fumando.
Aeroportos
Por causa de uma lei federal de 1996, é proibido fumar nos dois aeroportos da região metropolitana. Em Cumbica, há placas de aviso espalhadas por todos os terminais. Apontando para uma delas, uma segurança da Infraero pediu educadamente à reportagem que apagasse o cigarro e só o acendesse de novo na área externa. As baforadas, no entanto, não foram reprimidas no Black Coffee, um dos cafés do saguão. Em Congonhas, a fumaça voa solta. Apesar dos vários alertas lembrando da proibição, foi possível fumar um cigarro inteiro na área de check-in e um segundo bem ao lado de um balcão de informações.
Casas de shows
Casas noturnas
Só em 2003 as casas noturnas foram enquadradas na lei antitabaco. As determinações são as mesmas dos restaurantes. Das sete visitadas por Veja São Paulo entre 18 e 26 de maio, apenas uma possui regras com relação ao cigarro. No Instituto de Desenvolvimento da Consciência Humana (IDCH), é permitido fumar apenas em dois dos sete ambientes da casa – no mezanino e na pista. Além de o fumante ficar leve e solto nas outras seis baladas, a Clash e a D-Edge ainda exibem informes publicitários de uma marca de cigarros próximo aos caixas. Vejinha esteve também no Vegas Club, na Pacha, no LaPeju e no Teatro Mars.
Cinemas e teatros
Como é lá fora
Buenos Aires
Lugares fechados como teatros, cafés e restaurantes exibem a placa "proibido fumar" desde o ano passado. Fumantes só são permitidos nas mesas das calçadas. Caso descumpram a lei, os donos de estabelecimentos pagam multa que varia de 300 a 2 500 reais e os consumidores infratores podem desembolsar até 630 reais. Em janeiro, a cidade proibiu ainda a propaganda de cigarros em outdoors, muros e placas de rua.
Londres
A partir de 1º de julho, nenhum londrino poderá fumar em pubs, cafés, restaurantes ou outro lugar público fechado. Em vigor em toda a Inglaterra, a lei valerá ainda para ônibus, metrô e locais de trabalho. Fumódromos não mais serão permitidos. A pena para quem for pego soltando baforadas é de 50 libras, cerca de 200 reais, e pode aumentar para 200 libras (800 reais) se o caso for levado ao tribunal.
Roma
Desde 2005 não se fuma em casas noturnas, bares e empresas públicas e privadas da capital italiana. Fumantes só são bem-vindos em espaços isolados com ventilação adequada e que tenham porta com abertura e fechamento automáticos. Mas é tão difícil – e caro – seguir essas exigências que apenas 2% dos estabelecimentos contam com um espaço como esse. A multa pode atingir 275 euros (700 reais), valor que dobra caso o cigarro seja aceso perto de uma gestante ou criança. Apesar de 22% da população ser de fumantes, oito em cada dez italianos aprovam a lei.
Nova York
Paris
Fumar deixou de ser très chic na Cidade Luz e em toda a França desde fevereiro deste ano. Uma nova lei federal proíbe que se fume em trens, museus, shoppings, órgãos públicos e empresas privadas. O governo esticou para 2008 o prazo para restaurantes, hotéis, bares e casas noturnas se adequarem à legislação. Fumódromos só serão permitidos se equipados com sistema de ventilação independente e isolamento completo. Os infratores pagam multa de 75 euros (196 reais) e os proprietários das casas, 150 euros (400 reais). Os efeitos já são sentidos nos escritórios. Só 13% das companhias ainda não se adequaram à lei.
São Francisco
Além de não permitir o cigarro em locais públicos fechados, a cidade proíbe que se fume ao ar livre em parques, praças, praias, jardins e em campos onde se praticam atividades físicas. Infratores são punidos com multa de 100 dólares (cerca de 200 reais).