Fernando
Teixeira
O Supremo Tribunal Federal (STF) praticamente
definiu o destino da fabricante de cigarros American Virginia,
fechada pela Receita Federal no dia 2 de maio. Depois de voto
do ministro Joaquim Barbosa, proferido na semana passada,
determinando a reabertura da fábrica, cinco ministros
entenderam ontem que ela deverá continuar lacrada. O ministro
Gilmar Mendes pediu vista do processo, mas adiantou que tende
a seguir a posição majoritária da corte contra a retomada das
atividades da fábrica. Confirmada esta posição, será a
primeira vez que o Supremo autoriza o fechamento de uma
empresa por irregularidade fiscal.
O julgamento foi
retomado ontem quando o ministro Cezar Peluso levou ao pleno
do Supremo um longo voto-vista defendendo que a fábrica deve
continuar fechada, cautelarmente, até que a corte julgue o
mérito da questão. Todos os votos que se seguiram tomaram o
mesmo rumo, deixando isolada a posição de Joaquim Barbosa,
para quem o processamento do recurso extraordinário pode levar
anos, o que criaria um risco de dano irreparável à empresa.
Mas, segundo Peluso, há um risco ainda maior para a sociedade
caso o Supremo deixe a fábrica aberta.
De acordo com a
defesa da American Virgínia, o voto de Peluso foi
anti-tabagista. O advogado Nabor Bulhões diz que, por se
tratar de uma fábrica de cigarros, o caso carregou uma
percepção negativa junto aos ministros. De fato, em algumas
passagens Peluso demonstrou pouca simpatia pelo ramo
tabagista. "Essas empresas disputam para ver quem vende veneno
mais barato", disse o ministro a certa altura do julgamento. E
até brincou com a situação: "Neste caso, a `fumaça do bom
direito` pode ser tomada no sentido literal".
Apesar
das críticas da empresa, o ministro proferiu um voto de peso
que pode definir a posição do tribunal sobre o caso. A empresa
alegava, basicamente, que o Estado não pode usar meios de
coerção política, previstos ou não em lei, para cobrar
tributos. O argumento é o de que a medida fere a livre
iniciativa e que a empresa não é sonegadora de impostos: 70%
de seus débitos estariam com exigibilidade suspensa por ações
judiciais e administrativas.
Para Peluso, não há
perseguição política do fisco, pois a tributação, no caso, não
tem finalidade arrecadatória, mas regulatória. O IPI incidente
sobre o cigarro corresponde a 70% do valor do produto, que é
reconhecidamente danoso à saúde. O registro especial criado
pelo Decreto nº 1.593, de 1977 - e sem o qual a empresa deve
ser fechada - serve para proteger consumidores e concorrentes,
e não apenas o fisco. O ministro também entendeu que a empresa
é, sim, sonegadora. Isso porque, diz, das 13 empresas do
setor, apenas a American Virginia não recolhe o IPI. De acordo
com o ministro, as demais empresas não só recolhem o tributo
como se associaram à Fazenda no processo. "Um caso único em
meus 40 anos de magistratura. Em geral as empresas se associam
contra a Fazenda", afirmou.
A Fazenda alega que a
American Virginia - que produz as marcas de cigarro West,
Indy, Oscar, Seleta, San Marino e Bacana - deve hoje R$ 2
bilhões e há dois anos, na última vez em que a fábrica foi
fechada, devia R$ 900 milhões. Segundo o coordenador da defesa
tributária da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN),
Cláudio Seefelder, a cada dia a empresa deixa de recolher R$
700 mil reais em tributos. A PGFN entende que o caso em
análise no Supremo, ainda que seja uma decisão em liminar,
deve definir a jurisprudência da corte sobre o assunto. Assim
como ocorre com muitas ações diretas de inconstitucionalidade
(Adins), o mérito do processo pode demorar tantos anos a ser
analisado, fazendo com que a liminar acabe se tornando, na
prática, uma decisão definitiva. O precedente será útil para a
Receita Federal, que só no ano passado fechou outras duas
fábricas de cigarros em São Paulo, que acabaram reabertas pela
Justiça. |