Os escoceses foram
obrigados, por lei, a parar de fumar em recinto público
GLASGOW - A partir das 6 horas da manhã do
último domingo, primeiro dia do horário de verão britânico, os
escoceses foram obrigados, por lei, a parar de fumar em recinto
público.
Foi apenas o começo da revolução sem fósforo, isqueiro e cigarro
(cinzeiro também) que, a partir do ano que vem, deverá se deflagrar,
sem fumacê, por Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte.
É fácil imaginar um escocês sem cigarrinho na mão ou canto da
boca. Pensem em Willy, o zelador da série “Os Simpsons”. Saiote e
cachimbo, sim. Cigarro, não. Vamos admitir: nada sabemos sobre os
escoceses. Mesmo os escoceses vivem saindo na mão uns com os outros
para saber quem são eles próprios e os outros escoceses que com eles
dialogam ou olham enviesado.
Os escoceses têm parlamento próprio e um "first minister" (para
não confundir com o "prime minister" do Reino Unido) e vivem
inventando coisas, já que o tempo quase nunca dá para ir lá fora
passear, brincar ou namorar: telefone, televisão, penicilina,
bicicleta, transístor, radar, insulina, tudo isso é bolação deles.
As horas de folga, eles passam se engalfinhando a caminho da
derrota de todos os times de todas as divisões escocesas e de todas
as seleções escocesas de todos os tempos também.
A Escócia, em matéria de futebol, é um hino à derrota. Talvez por
isso fumem tanto.
O refúgio no cigarro
Sabemos, pois, por que os escoceses fumam mais do que o resto do
mundo. É devido às derrotas no futebol e ao clima ingrato do país,
onde sempre chove um pouco e, quando o sol aparece, eles matam um
touro Aberdeen Angus (uma das mais belas e suculentas coisas jamais
vistas e comidas no mundo) e sacrificam uma virgem mandando-a para
Londres, onde, segundo uma velha lenda gaélica, passam a residir em
apartamentos de luxo freqüentados pelos mais hediondos demônios do
mundo.
Isso se for verdade que os escoceses fumam mais que os franceses
ou os portugueses. As liberdades civis, muito cultivadas pelos
escoceses, para efeito doméstico e de exportação, estão sendo
violadas, argumenta a parcela liberal da população, soltando
fumacinha pelo nariz.
Discutiu-se, debateu-se, trocaram-se socos e pontapés e, mesmo
assim, a lei passou e entrou em vigor, junto com a primavera. Os
escoceses notaram a ausência de cigarro em bares, restaurantes,
hotéis e escritórios, pouco ligando para a primavera, que lá é
quando a chuvinha cai apenas por umas 8 ou 12 horas por dia.
Fumar em recinto público tem multa na Escócia. Multa de 250
libras, mais de US$ 400, para o estabelecimento comercial que não
exibir, em alto e bom som (é, lá é assim), o aviso de que "É
proibido fumar", em inglês, evidentemente, apesar da pinimba dos
locais com os ingleses.
Pode ser que a fama de unhas-de-fome dos escoceses seja apenas
mito, lenda urbana internacional (vide Tio Patinhas, originalmente
Scrooge McDuck), mas a verdade é que, nas primeiras 48 horas, não
houve caso criado, a polícia continuou cuidando das atribulações
provocadas pelo demônio do álcool, que lá legislador nenhum é besta
de tentar moderar, quanto mais proibir, a ingestão de bebidas
destiladas ou fermentadas.
Cerca de 30% dos escoceses fumam, apesar dos 13 mil que morrem
por ano de doenças ligadas ao maldito vício. A Escócia tem um dos
piores índices de saúde da Europa. Tudo culpa do fumo, ativo e
passivo, asseguram as autoridades, de guarda-chuva na mão, a ser
usado como arma e proteção contra o tradicional elemento escocês.
David Hockney: a voz do povo
De
conhecida, protestando, uma única voz, a do pintor David Hockney,
que declarou para a imprensa fumar há 30 anos e que "pub" não é
clube de saúde ou de malhação.
Hockney acrescentou que está farto do que chamou de "falsa
moralidade". O talentoso David Hockney é inglês, nascido em
Bradford, pertinho de Leeds, e mora na Califórnia, onde se fuma à
pacas e faz sol o ano inteiro.
Por Ivan Lessa
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