Nova regulamentação proíbe publicidade
entre as 8h e as 20h; peças terão também de ser
acompanhadas de alertas sobre riscos
Texto será votado pela direção da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária nas próximas semanas,
mas já existe consenso
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O bilionário mercado das cervejas está na mira das novas
regras para a propaganda de bebidas alcoólicas que a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) prepara para aprovar
nas próximas semanas, um ano e cinco meses depois de a primeira
proposta de restrições à publicidade ser lançada
a consulta pública.
Além de sofrer limites nos horários de veiculação
no rádio e TV -ficaria proibida entre 8h e 20h-, a propaganda
de bebidas com mais de 0,5 grau de teor alcoólico nos meios de
comunicação em geral (jornais, revista, internet) terá
de ser acompanhada por alertas.
Eles associam o consumo de álcool a acidentes de trânsito
com vítimas, má-formação de bebês
e até ao abuso sexual e episódios de violência,
prevê a última versão do regulamento.
São 13 frases de advertência do Ministério da Saúde
que deverão substituir o atual enunciado "Beba com moderação".
A medida não afeta os rótulos. No caso da televisão,
as advertências deverão ser veiculadas, por meio de texto
e voz, imediatamente após a mensagem publicitária. As
frases também deverão ser veiculadas nas propagandas na
internet.
O tamanho das frases vai variar de acordo com a mídia. Em jornais,
dependendo do tamanho do anúncio, a frase será grafada
em corpo 7 a 12, sempre em letra de cor preta, maiúsculas, sobre
fundo branco.
"Garanto que isso [a votação] ocorre nas próximas
semanas", disse ontem Dirceu Raposo, presidente da Anvisa. A proposta
será analisada pela diretoria da Anvisa, mas já há
consenso. Há três diretores em exercício -outras
duas vagas estão abertas.
Raposo adiantou que a disposição do governo é alcançar,
no regulamento, bebidas de menor teor alcoólico, como cervejas
e os coolers, consumidos pela população mais jovem.
Atualmente, a legislação que trata de restrições
à propaganda não considera cerveja bebida alcoólica,
mas apenas os produtos com teor superior a 13 graus, como uísque
e cachaça. A lei vigora desde 96 e proibiu a propaganda de bebidas
mais fortes entre as 6h e as 21h.
"O modo como se faz a propaganda é intolerável, a
legislação é absolutamente leniente, protege a
cerveja; a advertência sobre beber com moderação
soa irrelevante", avalia Pedro Gabriel Godinho Delgado.
Coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde,
ele acompanha o debate no governo desde o grupo interministerial criado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio de 2003 e atualmente
coordena o comitê interministerial da política de álcool.
Delgado sugere que o governo está afinado à preocupação
manifestada pelo ministro José Gomes Temporão em entrevista
à Folha, na segunda. Temporão defendeu mudanças
nas regras e previu resistências.
Contestação
Já há sinais de que se travará uma batalha jurídica
sobre o tema. Ontem, o Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja
disse que irá à Justiça caso a regulamentação
seja aprovada. A entidade representa um mercado que faturou, em 2006,
R$ 22 bilhões. Representantes das empresas de publicidade devem
seguir o mesmo caminho.
Os gastos com publicidade são crescentes e põem o setor
entre os que mais gastam com anúncios. Segundo informação
do Ibope Monitor, em 2006 a categoria "cervejas" investiu
R$ 704 milhões, mais do que a venda de automóveis ou de
telefones celulares, por exemplo. No ano anterior, o Ibope registrou
investimentos de R$ 496 milhões nesse segmento.
Com base em dados de aumento do consumo de bebida e da dependência
ao álcool, o presidente da Anvisa insiste em que o regulamento
não deve se limitar às bebidas de maior teor alcoólico,
como prevê a atual legislação. "Temos de regulamentar
para a sociedade, é uma questão de saúde pública",
disse, ponderando sobre interesses contrariados do mercado.
Em defesa da regulamentação, Raposo apresenta dados da
consulta pública lançada em novembro de 2005. Das 157
contribuições que a agência recebeu, 51 defenderam
a proibição total da publicidade de bebidas alcóolicas
e 58 apoiaram limites à propaganda.
As novas regras entram em vigor 180 dias depois da aprovação
do regulamento pela diretoria da Anvisa - período que a indústria,
as agências de publicidade e os meios de comunicação
terão para se adaptar às novidades.
Cervejarias pretendem recorrer à Justiça
Se nova regulamentação de propagandas de bebidas for aprovada,
as empresas de publicidade também devem recorrer
Sindicatos defendem que seja mantida a liberdade constitucional das
empresas de promover seus produtos e informar ao consumidor
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja vai recorrer à
Justiça caso a nova regulamentação da propaganda
de bebidas, feita pela Anvisa, seja aprovada. As representantes das
empresas de publicidade também devem seguir o mesmo caminho.
De acordo com o superintendente do sindicato, Marcos Mesquita, apenas
uma lei federal poderia mudar as regras para a publicidade do setor.
"Independentemente do grau de rigor que vier a constar de atos
administrativos, nos restará o caminho natural de recorrermos
ao Judiciário para resguardar o que julgamos ser nosso direito
líquido e certo."
O sindicato defende que a publicidade de cervejas permaneça submetida
a auto-regulamentação e que seja mantida a liberdade constitucional
das empresas de promover seus produtos e informar corretamente ao consumidor
quais as características de cada marca em relação
às concorrentes.
A entidade informa não ter dados sobre os gastos das cervejarias
com propaganda nas TVs, mas confirma que esse tipo de mídia é
preferência das empresas de produtos de consumo popular, como
cervejas.
Segundo as novas regras, a propaganda na televisão seria permitida
entre as 20h e as 8h e deveria ser seguida por mensagens de advertência
como aquelas que são veiculadas na publicidade de cigarros. Uma
das frases citadas é "Álcool causa mais da metade
dos acidentes com vítimas".
A Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade)
também é contra a regulamentação. "Entendemos
que a veiculação de propagandas durante o dia não
estimula menores a beber e que frases de advertência não
causam contenção de consumo", diz Paulo Gomes de
Oliveira Filho, do departamento jurídico da associação.
"Ainda não sabemos como vamos proceder judicialmente, mas
entendemos que a Anvisa não tem poder de legislar e queremos
que a lei seja cumprida", completa. A Abap também não
divulga dados sobre gastos das cervejarias relativos à publicidade
em televisão.
A mesma interpretação é feita pela Abert (Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). "Qualquer
mudança deve ser feita por meio de uma lei federal", afirma
Daniel Pimentel, presidente da Abert. "Vamos avaliar que medida
judicial tomaremos."
O Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária)
decidiu não se manifestar até estudar as normas.
A Folha apurou, porém, que a tendência no conselho é
seguir o posicionamento do Sindicato Nacional da Indústria da
Cerveja. Para o conselho, leis já em vigor, como a que proíbe
a venda de bebidas alcoólicas para menores, deveriam ser cumpridas
com o intuito de reduzir o consumo por adolescentes.
Duas interpretações
Advogado da OAB-SP e colunista da Folha, Walter Ceneviva explica que
há margem para uma discussão jurídica. Alguns,
diz, podem entender que a Anvisa, por ser um órgão federal,
tem o poder de regulamentar esse tipo de assunto.
Outros, afirma, podem alegar que a agência é federal mas
não pode substituir o poder legislativo. "Não há
orientação sobre o assunto. Na minha opinião, há
margem para duas interpretações. A Justiça terá
de decidir com base na argumentação dos dois lados."
Fonte: Folha de São Paulo em 12-04-2007.