O Conar não funciona para o álcool
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Não é a concorrência entre marcas que está
em jogo, mas a saúde da
sociedade. Espera-se uma restrição à propaganda
do álcool
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A AUTO-REGULAMENTAÇÃO da propaganda, no Brasil exercida
pelo Conar
(Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária),
é a estratégia
defendida pelas indústrias de bebidas alcoólicas como
efetiva para
regulamentar a promoção de seus produtos. As vantagens
presumidas
seriam: eficiência, maiores incentivos para obediência e
custo reduzido.
Esses argumentos têm sido defendidos em vários artigos
recentes na
mídia. É possível que a auto-regulamentação
seja "mais eficiente do
que a atuação do Estado" em algumas áreas,
mas, certamente, essa lógica
não se aplica à área das bebidas alcoólicas.
Existem evidências científicas de que a exposição
de crianças à
promoção de bebidas alcoólicas aumenta a probabilidade
de que elas
iniciem um consumo precoce e bebam mais. Isso acontece em adição
a
outras variáveis, como baixo preço dos produtos e facilidade
do acesso,
mas é independente delas. Ou seja, a promoção não
é o único fator que
causa impacto no consumo de álcool, mas certamente é um
deles. Embora
inúmeras pesquisas tenham demonstrado de forma inequívoca
esse fato,
tal verdade não é aceita pela indústria do álcool.
Mas esse não é o único fator importante. A propaganda
do álcool,
principalmente a que é apreciada pelas crianças, em especial
a que
contém humor, se relaciona com suas atitudes e expectativas positivas
quanto às bebidas alcoólicas. Isso significa que a propaganda
é um fator
de estruturação de atitudes das crianças em relação
às bebidas
alcoólicas -atitudes e crenças que não são
mudadas do dia para a
noite. Esse processo se dá com um acúmulo de mensagens
atraentes e
exclusivamente positivas e bem-humoradas em relação às
bebidas
alcoólicas.
Pesquisa nacional financiada pela Senad (Secretaria Nacional
Antidrogas) mostra que cerca de 60% dos adolescentes brasileiros estão
expostos a algum tipo de promoção de álcool (televisão,
rádio, revista
ou outdoor) diariamente.
Portanto, do ponto de vista da saúde pública, é
fundamental que
possamos exercer influência não somente no tipo de propaganda
a que
nossas crianças são expostas mas também -e principalmente-
na quantidade
de exposição. Pelo simples motivo de que, quanto maior
é a exposição,
maior é o consumo do álcool. É o que as pesquisas
mostram.
Mas voltemos à auto-regulamentação. Os códigos
relacionam-se
principalmente com questões de conteúdo das mensagens,
basicamente
restringindo mensagens direcionadas aos menores de idade e que
incentivem o consumo abusivo. Vários estudos científicos
internacionais
apontam que a interpretação desses códigos varia
muito, dependendo do
público que os avalia. Dessa maneira, e não surpreendentemente,
avaliações realizadas por membros das indústrias
de interesse econômico
(publicitários, indústria de álcool, mídia
etc.) encontram muito menos
violações do que as realizadas por representantes do público
geral.
Pesquisa com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de
São Paulo) recém-concluída pela Unifesp (Universidade
Federal de São
Paulo) com estudantes do ensino médio de escolas públicas
apontou grande
número de violações em cinco propagandas de cerveja
selecionadas como as
mais apreciadas pelos estudantes.
Uma das recomendações do Conar com respeito à propaganda
de álcool é
que ela "evite associação com erotismo". O leitor
que já tenha assistido
a algum comercial de cerveja talvez nos acompanhe na dúvida quanto
ao
cumprimento desse item. De qualquer maneira, a principal intenção
da
auto-regulamentação no caso das bebidas alcoólicas
é evitar ingerência
externa -leia-se restrição à quantidade de propaganda.
E é a exposição,
no final, o que realmente importa em termos do impacto no consumo dos
adolescentes e jovens.
O ministro da Saúde, grande defensor da saúde pública,
já expressou a
sua preferência pela restrição da propaganda do
álcool, à semelhança do
que foi feito com o cigarro. Do presidente Lula espera-se que tenha
a
coragem e a determinação para optar pela restrição
desse tipo de
propaganda que estimula que menores de idade bebam. Afinal, não
é a
concorrência entre marcas que está em jogo, mas a saúde
da sociedade
brasileira.
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RONALDO LARANJEIRA, 50, doutor em psiquiatria pela Universidade de
Londres (Inglaterra), é professor livre docente do Departamento
de
Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
ILANA PINSKY, 40, psicoterapeuta, mestre em psicologia pela USP e
doutora em psiquiatria e psicologia médica pela Unifesp, é
pesquisadora
sênior do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.
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pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Fonte: Folha de São Paulo em 12-07-2007.