TENDÊNCIAS/DEBATES - RONALDO LARANJEIRA e ILANA PINSKY

O Conar não funciona para o álcool

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Não é a concorrência entre marcas que está em jogo, mas a saúde da
sociedade. Espera-se uma restrição à propaganda do álcool
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A AUTO-REGULAMENTAÇÃO da propaganda, no Brasil exercida pelo Conar
(Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), é a estratégia
defendida pelas indústrias de bebidas alcoólicas como efetiva para
regulamentar a promoção de seus produtos. As vantagens presumidas
seriam: eficiência, maiores incentivos para obediência e custo reduzido.
Esses argumentos têm sido defendidos em vários artigos recentes na
mídia. É possível que a auto-regulamentação seja "mais eficiente do
que a atuação do Estado" em algumas áreas, mas, certamente, essa lógica
não se aplica à área das bebidas alcoólicas.
Existem evidências científicas de que a exposição de crianças à
promoção de bebidas alcoólicas aumenta a probabilidade de que elas
iniciem um consumo precoce e bebam mais. Isso acontece em adição a
outras variáveis, como baixo preço dos produtos e facilidade do acesso,
mas é independente delas. Ou seja, a promoção não é o único fator que
causa impacto no consumo de álcool, mas certamente é um deles. Embora
inúmeras pesquisas tenham demonstrado de forma inequívoca esse fato,
tal verdade não é aceita pela indústria do álcool.
Mas esse não é o único fator importante. A propaganda do álcool,
principalmente a que é apreciada pelas crianças, em especial a que
contém humor, se relaciona com suas atitudes e expectativas positivas
quanto às bebidas alcoólicas. Isso significa que a propaganda é um fator
de estruturação de atitudes das crianças em relação às bebidas
alcoólicas -atitudes e crenças que não são mudadas do dia para a
noite. Esse processo se dá com um acúmulo de mensagens atraentes e
exclusivamente positivas e bem-humoradas em relação às bebidas
alcoólicas.
Pesquisa nacional financiada pela Senad (Secretaria Nacional
Antidrogas) mostra que cerca de 60% dos adolescentes brasileiros estão
expostos a algum tipo de promoção de álcool (televisão, rádio, revista
ou outdoor) diariamente.
Portanto, do ponto de vista da saúde pública, é fundamental que
possamos exercer influência não somente no tipo de propaganda a que
nossas crianças são expostas mas também -e principalmente- na quantidade
de exposição. Pelo simples motivo de que, quanto maior é a exposição,
maior é o consumo do álcool. É o que as pesquisas mostram.
Mas voltemos à auto-regulamentação. Os códigos relacionam-se
principalmente com questões de conteúdo das mensagens, basicamente
restringindo mensagens direcionadas aos menores de idade e que
incentivem o consumo abusivo. Vários estudos científicos internacionais
apontam que a interpretação desses códigos varia muito, dependendo do
público que os avalia. Dessa maneira, e não surpreendentemente,
avaliações realizadas por membros das indústrias de interesse econômico
(publicitários, indústria de álcool, mídia etc.) encontram muito menos
violações do que as realizadas por representantes do público geral.
Pesquisa com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo) recém-concluída pela Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo) com estudantes do ensino médio de escolas públicas apontou grande
número de violações em cinco propagandas de cerveja selecionadas como as
mais apreciadas pelos estudantes.
Uma das recomendações do Conar com respeito à propaganda de álcool é
que ela "evite associação com erotismo". O leitor que já tenha assistido
a algum comercial de cerveja talvez nos acompanhe na dúvida quanto ao
cumprimento desse item. De qualquer maneira, a principal intenção da
auto-regulamentação no caso das bebidas alcoólicas é evitar ingerência
externa -leia-se restrição à quantidade de propaganda. E é a exposição,
no final, o que realmente importa em termos do impacto no consumo dos
adolescentes e jovens.
O ministro da Saúde, grande defensor da saúde pública, já expressou a
sua preferência pela restrição da propaganda do álcool, à semelhança do
que foi feito com o cigarro. Do presidente Lula espera-se que tenha a
coragem e a determinação para optar pela restrição desse tipo de
propaganda que estimula que menores de idade bebam. Afinal, não é a
concorrência entre marcas que está em jogo, mas a saúde da sociedade
brasileira.

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RONALDO LARANJEIRA, 50, doutor em psiquiatria pela Universidade de
Londres (Inglaterra), é professor livre docente do Departamento de
Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
ILANA PINSKY, 40, psicoterapeuta, mestre em psicologia pela USP e
doutora em psiquiatria e psicologia médica pela Unifesp, é pesquisadora
sênior do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal.
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Fonte: Folha de São Paulo em 12-07-2007.