PF prende desembargadores e cúpula do
jogo ilegal no Rio
Operação Hurricane detém 25 acusados
de integrar esquema de corrupção
Presos incluem delegados da própria PF, empresários,
advogados, procurador da República afastado e chefes da contravenção
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
A cúpula da contravenção no Rio, três desembargadores,
um procurador regional da República (afastado), três delegados
da Polícia Federal, empresários e advogados foram presos
na Operação Hurricane (furacão, em inglês)
da Polícia Federal. No total foram 25 pessoas presas, 24 no Rio
e uma na Bahia.
As autoridades detidas são acusadas de vender proteção
e informações aos contraventores. O diretor de inteligência
da PF, Renato Porciúncula, classificou a operação
como a que envolveu o maior número de autoridades na história.
Todos os presos tiveram a prisão temporária decretada,
por cinco dias, acusados de integrar esquema de jogo ilegal, corrupção,
contrabando, tráfico de influência e receptação.
A Folha apurou que foram apreendidos mais de R$ 6 milhões em
dinheiro com os presos, além de documentos, computadores e 42
carros de luxo, entre os quais Mercedes-Benz e Audi.
Foram detidos os contraventores Aniz Abraão David, o Anísio,
presidente de honra da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis;
Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente
da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa) e seu sobrinho
Júlio Guimarães Sobreira; e Antônio Petrus Kalil,
o Turcão.
Para o delegado Renato Porciúncula, os presos "montaram
rede de corrupção e tráfico de influência"
para ficar impunes.
Foram também presos o titular da Delegacia da PF em Niterói,
Carlos Pereira da Silva, a delegada federal Susie Pinheiro Dias de Mattos,
corregedora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP),
e o delegado federal aposentado Luiz Paulo Dias de Mattos -que tem os
mesmos sobrenomes e endereço de Susie.
O procurador regional da República no Rio João Sérgio
Leal Pereira -afastado por responder a processo por formação
de quadrilha e estelionato qualificado-, foi preso na Bahia. Os presos
seriam levados de avião ainda ontem para Brasília.
O desembargador preso José Eduardo Carreira Alvim era vice-presidente
do Tribunal Regional Federal da 2ª Região até quinta-feira.
No ano passado, Alvim liberou 900 máquinas caça-níqueis
apreendidas em bingos em Niterói.
A PF deteve o advogado Virgílio de Oliveira Medina, irmão
do ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina, que
também concedeu liminar liberando máquinas caça-níqueis
-decisão cassada pelo Supremo Tribunal Federal.
O delegado federal Carlos Pereira da Silva, chefe da delegacia de Niterói,
foi detido, acusado de receber pelo menos entre R$ 40 mil e R$ 50 mil
mensais de contraventores.
Para evitar vazamento, 360 policiais federais dos três Estados
do Sul foram ao Rio para a operação, que começou
às 6h de ontem. Além das prisões, cumpriram 70
mandados de busca e apreensão no Rio, em São Paulo e Brasília.
A investigação começou há um ano, a partir
de apuração sobre contrabando de componentes eletrônicos,
e foi conduzida pela Diretoria de Inteligência da PF em Brasília.
Segundo Porciúncula, a operação tinha inicialmente
o nome de "Furacão", em português, mas depois
teve o idioma trocado quando foi enviada ao Supremo, e "subiu de
instância".
Em Petrópolis, a PF encontrou mais de R$ 1 milhão em um
cofre elétrico, preso em uma parede falsa de uma casa. Em uma
casa na Barra da Tijuca, mais R$ 40 mil e duas Mercedes-Benz. Mais R$
700 mil foram apreendidos em outra casa. Em outra residência na
Tijuca (zona norte), havia mais cerca de R$ 1 milhão.
O dinheiro foi apreendido principalmente em casas de contraventores
e "fortalezas" do jogo do bicho e caça-níqueis
e precisou ser transportado em dois caminhões caixas-fortes até
a sede da PF.
O diretor de inteligência da PF informou que o dinheiro seria
contado e depositado na Caixa Econômica. No ano passado, o equivalente
a R$ 2 milhões apreendidos pela PF em operação
contra o tráfico de drogas foram roubados dentro da sede da instituição.
Os pedidos de prisão e busca e apreensão foram feitos
pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza
ao ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso. Os gabinetes dos
desembargadores do TRF foram lacrados.
Segundo a PF, a operação ocorreu ontem "porque era
o dia de pagamento de propina". A Associação dos
Magistrados Brasileiros defendeu "apuração rigorosa
dos fatos".
Líderes do jogo do bicho vão para caça-níqueis
DA SUCURSAL DO RIO
Os caça-níqueis superaram as apostas do jogo do bicho
e transformaram-se nos últimos anos em um dos principais negócios
dos bicheiros do Rio.
Três dos chefões do bicho presos pela PF ontem integravam
a relação dos 14 contraventores condenados em 1993 a 14
anos de prisão pela Justiça do Estado do Rio. Acabaram
cumprindo apenas três anos da pena.
Os presos ontem são aqueles que integram a cúpula da contravenção
no Estado: Antônio Petrus Kalil, o Turcão, Aílton
Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente
da Liga das Escolas de Samba, e Aniz Abraão David, o Anísio,
dirigente da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, campeã
do Carnaval.
Ontem, quando aguardavam a transferência da PF no Rio para Brasília,
os banqueiros se alimentaram de quatro pizzas que foram entregues no
começo da noite. A previsão é que um jatinho fretado
pela PF deixasse o Rio por volta da meia-noite.
Depois que deixaram a cadeia, após três anos de prisão,
os bicheiros passaram a ter uma vida pública bem mais reservada
do que antes, quando davam entrevistas, apareciam na TV e circulavam
pela noite carioca.
Com a decadência do jogo, eles diversificaram as atividades. Muitos
viraram sócios camuflados de casas de bingo e de cassinos no
exterior. Também passaram a importar os caça-níqueis
(máquinas geralmente instaladas em botequins) e os equipamentos
de videobingo.
Embora ganhando menos do que antes, os chefes mantiveram seus territórios.
(SERGIO TORRES)
Fonte: Folha de São Paulo em 14-04-2007.