O vício nas 'maquininhas'

Ex-jogadores mostram o lado negro do caça-níquel

ARTHUR GUIMARÃES,

arthur.guimaraes@grupoestado.com.br

Para ele, se jogo de azar fosse narcótico, caça-níquel seria o crack. "É o topo do topo da compulsão", crava com sua nada orgulhosa experiência A.G.T., 27 anos. Há quase cinco anos na Irmandade dos Jogadores Anônimos - três de abstinência, 17 meses de recaída e os últimos 60 dias de nova privação -, o rapaz explica que o atrativo das máquinas eletrônicas está na rapidez.

Não é preciso esperar semanas, como no caso da Mega-Sena, muito menos fechar uma cartela de bingo para ser premiado. "É na hora. Aposta, ganha. Aposta, não ganha. Aposta, ganha. Este é o grande barato", argumenta.

No discurso ouvido pela reportagem, típico de um recuperado, também cabem os tristes chavões dos ex-viciados. "Perdi tudo. Gastava o que tivesse. Poderia ser o salário todo. Pedia emprestado, manipulava, mentia", lembra.

A paranóia pelos desenhos "voando" na vertical da tela do caça-níquel fazia com que A.G.T., apesar de passar horas no bar, não tomasse sequer um gole de cerveja. "Não dava tempo. Precisava das duas mãos livres para apertar os botões."

A prática vivida na rua flerta com a teoria dos estudiosos do assunto. As estatísticas de atendimento de viciados em jogos de azar no Hospital das Clínicas (HC) mostram que 90% dos doentes são mesmo os apostadores de máquinas eletrônicas, como os caça-níqueis espalhados pelos "botecos" de São Paulo e os terminais luminosos instalados pelos corredores das casas de bingo.

"É mais fácil condicionar a pessoa. O tempo entre a aposta e o resultado é muito pequeno. No caso das máquinas nos bingos, o atrativo é a possibilidade de jogar várias cartelas ao mesmo tempo", afirma Ana Maria Galetti, médica psiquiátrica do Amjo (Ambulatório do Jogo Patológico) do HC.

Para começar nessa vida, também são necessários apenas alguns dias. "Pode ser curiosidade, para se entreter, por indicação de algum conhecido ou até pelo dinheiro fácil", explica Danielle Rossino, psicóloga do Amjo, onde são atendidas atualmente 100 pessoas.

"Temos relatos de gente que diz que, ao jogar, é como se um pano descesse, como uma anestesia para os problemas e angústias", relata. "Se há uma tendência, uma vontade de fugir da realidade que está vivendo, complica rápido."

Dez anos de destruição

Já o ciclo para que o viciado assuma sua condição e procure ajuda, infelizmente, não é tão dinâmico. Em média, são 10 anos. E, neste período, família, amigos e até emprego podem se desfazer. Danielle conta que não há nenhuma comprovação científica sobre o que faz determinada pessoa jogar e não se viciar e outra apostar e nunca mais parar.

"Ninguém achou um gene do jogo, não é esta a questão. Mas quem trabalha com o tema sabe que há uma maior chance de integrantes de famílias com casos de depressão, ansiedade e outros vícios desenvolverem o problema", diz.

No tratamento usado no HC, o forte é a psicoterapia. Em muitos casos, são ministrados medicamentos. "Mas não são remédios para parar de jogar. O que fazemos é tratar as doenças que estão em torno do quadro, como transtorno de ansiedade", diz Ana Galetti.

Nem todos os que procuram um auxílio médico acabam sendo atendidos. Atualmente, a fila demora cerca de um mês. E nem todos que procuram ajuda, quando é feito o retorno para marcar entrevista, são encontrados. Somem.

Fonte: Jornal da Tarde em 22-04-2007