Clube importa máquina para bingo

Empresários usam isenção legal de entidades esportivas para trazer videobingos para o País sem pagar impostos

Alexssander Soares

As empresas de bingos usaram um artifício legal para importar máquinas de jogos eletrônicos (videobingo e caça-níquel) sem pagar impostos. As compras foram feitas em nome de entidades ou federações desportivas, que, por decreto estadual, têm isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

A engenharia para a isenção fiscal passa por uma intrincada ligação entre empresários (bingueiros) e presidentes de federações e entidades desportivas. A Lei Zico e a Lei Pelé (veja texto na página C11) prevêem que os bingos precisam funcionar sob responsabilidade exclusiva de entidades ou federações desportivas. As entidades, porém, repassam a administração das casas de jogos para empresas, constituídas pelos bingueiros. A legislação obriga que 65% do valor apostado seja pago na própria rodada do jogo; 28% do restante segue para o custo da operação, ou para o bingueiro; e 7% vão para a entidade ou federação desportiva.

Procurações obtidas pelo Estado mostram que o bingueiro é indicado como representante legal da entidade ou federação desportiva. Com a procuração de plenos poderes, o empresário consegue importar máquinas eletrônicas, utilizando o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da federação ou entidade (veja fac-símiles ao lado).

O advogado da Associação Brasileira dos Bingos (Abrabin), Ricardo Azevedo Leitão, admitiu que as empresas de bingo importam máquinas eletrônicas com o CNPJ das federações ou entidades desportivas. Segundo ele, isso gerou ações judiciais contra os bingueiros. 'Juízes entenderam que a isenção fiscal só vale para entidade ou federação na sua atividade desportiva, como na organização de um campeonato. Essas ações ainda não chegaram ao Supremo (Tribunal Federal, STF), quando os tributaristas (defensores contratados pelos bingos) esperam ganhar a causa', ressaltou Leitão.

A importação de jogos eletrônicos em nome de entidades e federações também foi admitida pelos próprios bingueiros em depoimentos prestados em 2002, durante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de São Paulo que apurou irregularidades na arrecadação e sonegação de tributos na exploração de máquinas eletrônicas de jogo. Os vereadores constataram que bingos da capital, como o Metrópole, na Avenida Sumaré, zona oeste, tinham representantes legais em comum com as entidades esportivas. O Metrópole tinha convênio para repassar 7% de arrecadação para o Departamento de Estradas de Rodagem Atlético Clube (Derac), com sede em São José do Rio Preto, no interior. O depoente Avelino Veríssimo Perestrello era representante legal do bingo e também diretor do Derac.

Em outro caso, uma entidade chamada de Juventude Futebol Clube Feminino, anteriormente chamada Associação Desportiva União Futebol Clube, tinha convênio para receber 7% dos repasses do Bingo Sampa, na Avenida Ipiranga, centro. Em comum, havia um único representante do bingo e do clube: Airton Fonseca.

COBRANÇA

Os arquivos da CPI guardam notas fiscais emitidas por empresas de jogos eletrônicos, com a ressalva da isenção de ICMS. Em alguns casos, as empresas de bingos fazem a compra das máquinas e na própria nota fiscal indicam sua locação para a entidade esportiva.

A relação entre bingueiros e presidentes de entidades nem sempre é estável. A Federação Paulista de Triatlo ingressou com uma ação judicial cobrando R$ 300 mil de repasses atrasados do Bingo 7 de Abril, localizado no centro da capital. A entidade e o bingo firmaram acordo entre agosto de 2000 e agosto de 2001, quando o contrato foi rompido por ação na Justiça. 'Também estamos brigando porque os empresários não recolheram R$ 2,5 milhões de impostos e agora a nossa entidade está sendo acionada como responsável pelo pagamento', ressaltou o presidente, Frederico Wilshe.

Leitão, da Abrabin, ressalta que a responsabilidade tributária deve ser dividida entre a empresa de bingo e a entidade desportiva. 'É um jogo em que cada um apita o que melhor lhe convém.'

Fonte: OESP em 22-04-2007.