Presidente deve assinar amanhã texto que inclui
cerveja, "cooler" e "ices" na classificação;
objetivo é reduzir "consumo indevido'
Legislação atual sobre publicidade só considera
alcoólicas as bebidas com mais de 13 graus Gay Lussac, como vinho,
cachaça e uísque
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve assinar amanhã,
em cerimônia no Palácio do Planalto, decreto que muda o
conceito de bebida alcoólica para efeito de controle da propaganda
e demais medidas destinadas a conter o "consumo indevido"
de álcool no país.
Pelo texto do decreto, serão consideradas alcoólicas as
bebidas com teor de álcool a partir de 0,5 grau Gay Lussac, como
cervejas, "ices" e "coolers".
Hoje, a legislação que regulamenta a publicidade de fumo
e bebidas -em vigor há quase dez anos- só considera alcoólicas
as com mais de 13 graus, como vinho, cachaça e uísque.
Isso exclui, por exemplo, as cervejas, mercado que fatura R$ 20 bilhões/ano
e é o principal alvo da nova regulamentação.
O decreto de Lula, a que a Folha teve acesso, instituirá a Política
Nacional sobre o Álcool, que, segundo o texto que acompanha o
decreto, tem como objetivo explícito reduzir o "consumo
indevido de álcool no país, associado a episódios
de violência e criminalidade".
Entre os pilares dessa política estão novos limites à
propaganda de bebidas, por meio de regulamentação a ser
aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),
e proposta de proibição de venda de bebidas nas estradas
federais.
A Anvisa quer proibir propaganda de cerveja das 8h às 21h no
rádio e na TV. Publicidade nos meios de comunicação
(jornais, revistas e internet) terá de ser acompanhada de alertas
sobre o risco à saúde, como acontece hoje com a do cigarro.
A política nacional sobre o álcool é resultado
de debate interno do governo iniciado há mais de quatro anos,
com um grupo de trabalho interministerial criado em 2003, embora algumas
das medidas propostas por ela, como as restrições à
venda nas estradas e postos de gasolina, ainda dependam de nova rodada
de negociações.
Gastos com bebida
Na cerimônia, o governo reforçará a associação
entre alcoolismo e acidentes de trânsito e o volume de dinheiro
público investido no tratamento de alcoólatras -segundo
o governo, esses gastos na rede de saúde superaram R$ 40 milhões
em menos de quatro anos.
O tratamento de dependentes de álcool e outras drogas em unidades
extra-hospitalares consumiu, entre 2002 e 2006, R$ 36,9 milhões
do SUS (Sistema Único de Saúde). Outros R$ 4,3 milhões
foram gastos em procedimentos hospitalares relacionados ao uso de álcool
e de outras drogas nesse período.
Esses números são citados na exposição de
motivos que acompanha o decreto presidencial. Outra estatística
que sustenta a política é o percentual de acidentes de
trânsito associados à embriaguez. Pesquisa feita no ano
passado pela Abramet (Associação Brasileira de Medicina
do Tráfego) relaciona 61% dos acidentes ao consumo de bebidas
alcoólicas.
Com a nova política, o governo também espera conter a
crescente dependência do álcool, apontada no levantamento
domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil, em
2005. Promovida pela Secretaria Nacional Antidrogas, a pesquisa apontou
que 12,3% dos entrevistados entre 12 e 65 anos ingerem bebidas alcoólicas
com freqüência.
"É imprescindível que o governo institua de imediato
uma política nacional sobre o álcool, visando a redução
do impacto negativo do uso abusivo desta substância na sociedade
brasileira", diz o documento que acompanha o decreto de Lula.
Medida reforça proposta da Anvisa sobre publicidade
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um dos objetivos do decreto do Lula é fortalecer a proposta
da Anvisa de restringir as campanhas publicitárias de bebidas
-medida que já foi contestada por entidades de propaganda e mídia
no início deste mês.
Essas entidades, lideradas pelo Conar (Conselho de Auto-Regulamentação
Publicitária), cogitam recorrer à Justiça contra
as restrições à propaganda. Elas julgam ser suficientes
as advertências impressas nos rótulos de bebidas, como
"beba com moderação".
Dizia a nota publicada em jornais e revistas que "a propósito
de manifestações de autoridades do Executivo Federal reconhecendo
à Anvisa a competência para legislar sobre publicidade",
elas esclarecem que a "Constituição federal determina,
expressamente, que compete privativamente à União legislar
sobre propaganda comercial".
A indústria de cervejas fatura mais de R$ 20 bilhões por
ano e gastou em publicidade, em 2006, mais de R$ 700 milhões.
A lei que trata de propaganda de bebidas desde 1996 só fala daquelas
que têm mais do que 13 graus Gay Lussac (percentagem de álcool).
A última versão do regulamento da Anvisa já adota
o novo conceito de bebida alcoólica -acima de 0,5 grau- a ser
referendado por decreto do presidente Lula.
Antecipado pela Folha em abril, o regulamento proíbe a veiculação
de propaganda de bebidas no rádio e na TV das 8h às 21h.
Em jornais, revistas e internet, terá de ser acompanhada por
alertas do Ministério da Saúde que associam o consumo
de álcool a acidentes de trânsito com vítimas, má-formação
de bebês e até ao abuso sexual e episódios de violência.
(MS)
Fonte: Folha de São Paulo em 22-05-2007.