Restrição ao álcool
Proposta do governo para conter abuso do álcool
é correta, mas insuficiente diante da magnitude do drama de saúde
pública
COM ALGUMAS décadas de atraso o governo brasileiro decidiu tornar
mais rígidas suas diretrizes em relação ao abuso
de bebidas alcoólicas e deve baixar hoje o decreto que institui
a Política Nacional sobre o Álcool (PNA).
A necessidade de fazê-lo é premente. O álcool é
uma droga psicoativa com elevado potencial para provocar dependência.
Estudo da Organização Mundial da Saúde atribui
ao abuso etílico 3,2% de todas as mortes ocorridas no planeta
(cerca de 1,8 milhão de óbitos anuais). Metade delas tem
como causa doenças e a outra metade ferimentos, dos quais cerca
de 2/3 são não-intencionais e 1/3 propositais.
No Brasil, segundo dados da Secretaria Nacional Antidrogas (2005), 12,3%
da população entre 12 e 65 anos pode ser considerada dependente.
Entre 2002 e 2006, o SUS (Sistema Único de Saúde) gastou
mais de R$ 40 milhões no tratamento de etilistas.
Pesquisa de 2006 da Associação Brasileira de Medicina
de Tráfego revelou que 61% dos motoristas haviam ingerido bebidas
alcoólicas antes do acidente. De acordo com outros estudos, essa
proporção é ainda maior nos desastres que envolvem
óbitos. Anualmente, o trânsito mata no Brasil cerca de
35 mil pessoas.
Diante desses números, são até amenas as propostas
contidas no PNA do ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
A mais polêmica delas diz respeito às restrições
mais fortes à publicidade de cervejas. Por força de lobbies
poderosos, a lei nº 9.294, que regula a publicidade de álcool,
tabaco e remédios, criou uma exclusão indevida. Bebidas
com teor alcoólico inferior a 13 graus Gay Lussac -categoria
das cervejas- não são consideradas alcoólicas para
efeitos propagandísticos.
É uma distorção, só explicável pelo
fato de a indústria de cervejas faturar R$ 20 bilhões
ao ano e investir R$ 700 milhões em publicidade, afora o que
destina legalmente a campanhas políticas.
No plano médico e científico, porém, a diferença
de tratamento entre bebidas fermentadas (que raramente passam dos 13
graus) e destiladas (mais fortes) não encontra respaldo. O grau
de intoxicação de um indivíduo se dá em
função do volume de álcool ingerido, e não
da gradação do produto consumido.
O fato de o governo pretender acabar com a incômoda exceção
por meio de decreto presidencial e de resolução da Anvisa
deverá provocar dificuldades jurídicas. Teria sido mais
prudente proceder à alteração por projeto de lei.
Outras medidas previstas no PNA incluem a proibição da
venda de bebidas em rodovias federais e em postos de gasolina (aí
em acordo com os municípios) e ações específicas
voltadas para a comunidade indígena e assentamentos rurais, onde
a prevalência do alcoolismo é maior.
São propostas que caminham na direção correta,
embora sejam insuficientes para dar conta da magnitude do problema,
que é de saúde pública. Para avançar mais,
o governo vai precisar perder os escrúpulos de estabelecer um
controle mais rígido sobre os pontos-de-venda (inclusive de horário)
e elevar a carga de impostos sobre bebidas.
Fonte: Folha de São Paulo em 23-05-2007.