Governo conclui decreto contra consumo de álcool

Política Nacional sobre o Álcool prevê ampliação de tratamento pelo SUS; restrições a propaganda ficarão em outro texto a ser divulgado

Lígia Formenti

Após mais de três anos, o governo finalmente definiu a Política Nacional sobre o Álcool, um conjunto de medidas para prevenir o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e ampliar o acesso a tratamento para pessoas dependentes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve assinar o decreto que institui as medidas na próxima semana.

O texto do decreto, sob análise na Casa Civil, não traz definições sobre o tema mais polêmico de toda a estratégia, a restrição de horário para propaganda de todas as bebidas alcoólicas. O decreto prevê que a regulamentação da propaganda deverá ser feita por uma resolução - cujo texto já está pronto para publicação.

O lançamento da Política Nacional sobre o Álcool é esperado desde 2003, época em que um grupo interministerial criado pelo governo apresentou o esboço da estratégia. Nesse documento, já se previa a restrição da propaganda de bebidas alcoólicas para depois das 23 horas.

A medida, considerada indispensável por especialistas na área de saúde, atingiria em cheio a indústria de cerveja, que hoje não tem restrição para veiculação de propaganda.

'TESTE JURÍDICO'

Pela lei atual, as limitações de horário atingem apenas propagandas de bebidas com maior teor alcoólico, os destilados, como pinga e uísque. A primeira versão do texto que criava a política foi submetido à audiência pública, mas depois o assunto ficou dormitando. Analistas atribuem a demora na edição do decreto justamente à polêmica criada em torno dessa proposta e às pressões feitas pela indústria da cerveja.

Paralelamente, a restrição da propaganda passou a ser discutida num texto de resolução, também submetido à consulta pública, formulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O texto está previsto para ser colocado em votação pela diretoria colegiada da agência amanhã.

Dentro da própria Anvisa, no entanto, há quem afirme que a resolução é um 'teste jurídico'. Isso porque há controvérsias se a agência tem poderes para regular a propaganda. Produtores de bebida garantem que o tema só pode definido por lei.

O texto do decreto da Política Nacional de Álcool, articulado no governo pela Secretaria Nacional Antidrogas, traça uma série de estratégias para prevenir o consumo de álcool. Entre elas, medidas específicas voltadas para povos indígenas e para pessoas que vivem nos assentamentos de reforma agrária. Há também recomendações para ampliação da oferta de tratamento na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). O texto prevê ainda a realização de uma nova pesquisa de comportamento, para ver os reflexos do consumo de álcool nos acidentes de trânsito.

LEI SECA NAS ESTRADAS

Ministérios que integraram o grupo de trabalho para criação da política ficarão encarregados, assim que o decreto for assinado, de criar medidas específicas para pôr em prática as diretrizes. Entre elas, a proibição da venda de bebidas alcoólicas ao longo das rodovias federais e a criação de mecanismos para incentivar as cidades a impedir a venda de bebidas em pontos próximos de escolas e hospitais.

A criação de uma política voltada para inibir o álcool há tempos vem sendo cobrada por entidades médicas e organizações não-governamentais brasileiras. Desde o ano passado, parte dessas associações participa de discussões na Organização Mundial de Saúde (OMS), debatendo estratégias de redução internacional do consumo de álcool.

Tais organizações têm como modelo o trabalho que foi realizado para a redução do consumo de cigarro.

A mobilização se explica. O 2º Levantamento Domiciliar sobre uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, feito em 2005 pela Secretaria Nacional Antidrogas, mostrou que 12,3% dos entrevistados com idade entre 12 e 65 anos são dependentes do álcool.

O trabalho mostrou ainda que, dos 7.939 entrevistados, 74,6% já haviam bebido alguma vez na vida. Uma grande preocupação de especialistas foi reforçada pelos resultados da pesquisa: a tendência de um consumo cada vez mais elevado entre jovens.

MEDIDAS

Casos específicos: Um conjunto de medidas, principalmente na área da saúde, será voltado a povos indígenas e pessoas que vivem em assentamentos de reforma agrária

Propaganda: Caberá à Anvisa publicar a resolução que trata da restrição da publicidade de bebida alcoólica, como cerveja

Atendimento no SUS: Haverá recomendações para a ampliação da oferta de tratamento destinado a pessoas dependentes de álcool na rede pública por meio do Sistema Único de Saúde

Levantamentos: O governo federal quer realizar uma nova pesquisa de comportamento para ver os reflexos do consumo de álcool nos acidentes de trânsito no País

Outras ações: Os ministérios adotarão medidas como a proibição da venda de bebidas alcoólicas ao longo de rodovias federais e a criação de mecanismos para incentivar cidades a impedir a venda de bebidas próximo a escolas

Fonte: OESP em 25-04-2007.


Empresas (de bebidas) dizem que vão recorrer à Justiça

Segundo estudo levado ao Congresso, propaganda não influencia consumo

Marili Ribeiro

A indústria de bebidas - em particular as cervejarias -, defende que nenhuma medida regulatória do governo poderá se sobrepor à lei vigente para o segmento. Independentemente do rigor que vier a constar dos atos administrativos, as associações e entidades representativas dos fabricantes invocam o direito de recorrer ao Judiciário. 'Nada pode ser feito que não esteja previsto em lei', insiste um alto executivo da indústria cervejeira que prefere o anonimato até conhecer o teor do decreto presidencial.

Essa posição, aliás, já veio à tona recentemente quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou o conjunto de restrições à propaganda de cervejas, entre elas a proibição entre 8 e 20 horas para a veiculação das campanhas em televisão e rádio. Fora o horário restrito, na mídia impressa e internet os anúncios deverão vir acompanhados por frases de advertência que substituirão o atual 'Beba com moderação'. Há 13 alertas elaborados pelo Ministério da Saúde que pretendem associar o consumo a acidentes de trânsito, má-formação de bebês, violência e abuso sexual.

A publicidade de bebidas, segundo um estudo sobre o efeito da comunicação no consumo de álcool, apresentado no ano passado ao Congresso Nacional pelas fabricantes, não é responsável pelo aumento das vendas em si. Faz apenas com que o consumidor migre de uma marca para outra. Pelo estudo, o que faz o consumidor comprar mais cerveja é aumento de renda.

Para os empresários do meio, mexer com a propaganda não resolve problemas decorrentes do excesso de consumo de bebidas alcoólicas, como pretende o governo. Mas, ao contrário, tenderá a piorar a qualidade dos produtos. O raciocínio fundamenta-se no que aconteceu com a indústria de cigarros. A proibição da propaganda, instituída em 2000, não reduziu o consumo. O mercado de cigarros no País cresceu 15,3% nos últimos sete anos. Sem anúncios, o que cresceu foi o consumo de marcas baratas e mais nocivas à saúde.

O ponto de vista é reforçado sempre que entram em cena discussões sobre a possível criação de sobretaxa para a cerveja. Do ponto de vista da indústria, medidas desse teor são um erro de política pública. Beneficiam apenas a informalidade, que é grande no segmento de cachaça.Taxar quem não recolhe imposto seria inócuo e reduziria o consumo de quem recolhe e oferece produto de melhor qualidade.

Com faturamento anual estimado em R$ 24 bilhões, a indústria cervejeira critica a mudança de regras proposta dentro da Anvisa, que vai contra a atual legislação, que já impõe restrições aos anúncios de bebidas com teor de álcool superior a 13 graus.

As novas medidas serão válidas para todos os produtos com teor superior a 0,5 grau, o que inclui as cervejas.

Quanto à determinação de uma 'lei seca' para as estradas federais, a indústria diz não ter nada contra, desde que se respeitem certas situações como a das estradas que atravessam centros urbanos, por onde, necessariamente, os caminhões das distribuidoras de cerveja têm que circular.

Fonte: OESP em 25-04-2007.