Caça-níqueis no comércio

As máquinas caça-níqueis estão instaladas em 60% dos 350 mil bares, lanchonetes e padarias do Estado de São Paulo. Segundo o sindicato que representa esses estabelecimentos, pelo menos a metade deles usa a receita resultante da exploração das máquinas para pagar funcionários e aluguel. A prática configura delito definido pela Lei de Contravenções Penais.

Até o fim da década de 90, a maior concentração das máquinas se limitava à região central de São Paulo. Na época, os equipamentos eram importados, principalmente da Espanha e Tailândia, por empresas que alugavam espaço em bares e lanchonetes. Metade do faturamento era dos donos dos estabelecimentos e a outra metade dos “maquineiros”. Hoje, por R$ 1.500,00, com o auxílio da internet e a falta de fiscalização, os comerciantes adquirem o equipamento.

Há sete anos, estimava-se em 2 mil o número de máquinas instaladas em São Paulo. Hoje, são pelo menos 250 mil, que proporcionam gordos lucros aos comerciantes infratores e, principalmente, às organizações criminosas que se aproveitam da omissão do Estado.

Em oposição à lentidão da fiscalização, aceleradamente multiplicam-se na internet sites especializados na venda de máquinas montadas e configuradas ou kits de peças para máquinas caça-níqueis. Conforme revelou reportagem do Estado, publicada na segunda-feira, com R$ 1.500,00 compra-se o conjunto de peças para as máquinas, programadas de forma a assegurar lucros de 60% a 65%. Ou seja, são exíguas as chances do jogador. Por R$ 2.100,00, o equipamento é vendido pronto, já instalado. Em no máximo três meses, o investimento é recuperado.

Na terça-feira, a Câmara Municipal de São Paulo instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades nas licenças de funcionamento dos estabelecimentos comerciais que promovem jogos eletrônicos com apostas em dinheiro, como os caça-níqueis. A CPI também investigará a sonegação do ISS. Segundo o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, os estabelecimentos serão fiscalizados pelo Município por “desvirtuamento de finalidade”.

A ação da Câmara e da fiscalização municipal poderá trazer resultados bastante positivos para o ordenamento do comércio da cidade, para reduzir a evasão fiscal e para a defesa dos interesses da população. Isso se, efetivamente, a investigação e a fiscalização forem conduzidas com o firme propósito de punir os infratores.

Não foi isso que ocorreu com a CPI dos Bingos, instalada na Câmara Municipal, em 2002, com o objetivo de apurar irregularidades na arrecadação de tributos municipais, inclusive a sonegação do ISS pelos operadores de caça-níqueis.

O relatório final da comissão registrou várias irregularidades cometidas na aquisição das máquinas e componentes eletrônicos, a começar pela infração de dispositivos legais que proíbem importações de máquinas desta natureza. A CPI recomendou à Receita Federal a apuração das infrações de natureza tributária e, à Polícia Federal, a apuração de crimes de contrabando. No âmbito municipal, a quase totalidade dos estabelecimentos investigados foi autuada por irregularidades no alvará de funcionamento e no recolhimento do ISS.

Pouco se fez a partir dessas recomendações. Tanto que as máquinas se multiplicaram. Antes instaladas em bingos, agora são comuns em padarias e bares, onde a mistura de álcool e jogo acaba produzindo ocorrências policiais.

A oferta do jogo é ampla. Os proprietários que não têm os recursos para comprar o equipamento cedem espaços em seus estabelecimentos para os donos das máquinas. O comerciante fica com 40% da receita.

O crescimento do número de máquinas tem efeitos até na saúde pública. De um ano para outro dobrou o número de pacientes viciados em caça-níqueis atendidos pelo Ambulatório do Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (Amjo), do Instituto de Psiquiatria da USP.

A exploração de máquinas caça-níqueis é uma contravenção que deve ser combatida com a maior energia.

Fonte: OESP em 29-03-2007.