Edição 1956 . 17 de maio de 2006

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Saúde
Em doses menores

Terapeutas recomendam combater
a dependência química reduzindo
aos poucos o consumo


Érica Chaves

 

Fabiano Accorsi
Vichi: "Quando parava de fumar de repente, a vontade de voltar era incontrolável"

Os médicos e psiquiatras que cuidam de dependentes químicos costumam iniciar o tratamento com uma determinação – interromper o mais rápido possível o consumo da substância na qual o paciente é viciado. Essa é também a orientação nas entidades como os Alcoólicos Anônimos e os Narcóticos Anônimos. A partir daí, o desafio é combater os sintomas da abstinência com remédios ou terapias até que o paciente se veja livre do hábito. Mas muitos terapeutas desafiam essa forma clássica de combate à dependência. Segundo eles, a diminuição progressiva do uso da substância, em vez de sua interrupção súbita, pode resultar num tratamento mais eficiente e garantir maiores probabilidades de cura. Uma das mais amplas pesquisas já feitas nos Estados Unidos sobre o alcoolismo, divulgada na semana passada, ajuda a corroborar essa tese. No estudo, realizado por um grupo de psiquiatras da Universidade Columbia, 1.400 alcoólatras foram submetidos durante quatro meses a acompanhamento médico para combater o vício com base na estratégia da redução progressiva. Ao final, 75% deles tiveram resultados positivos. Parte do grupo abandonou a bebida. Outra parte reduziu seu consumo a uma ou duas doses por dia.

A tese da redução progressiva é controvertida. Alega-se que o viciado, por definição, é incapaz de controlar o consumo da substância que o escraviza. Considerar uma vitória que um alcoólatra se limite a duas doses diárias, segundo esse raciocínio, seria deixar a porta aberta para que ele volte a abusar da bebida. Os defensores do tratamento à base da moderação pensam de modo diferente. Eles argumentam que, de fato, há viciados que precisam interromper radicalmente o consumo de álcool, sob risco de morrer. Para outros, no entanto, a bebida é tão arraigada em seu cotidiano que eliminá-la por completo acarretaria outros problemas psicológicos, criando "buracos" na vida difíceis de preencher. Quem tem o hábito de beber com amigos no bar, por exemplo, se veria privado de um grande prazer. É um tipo de dependente a quem se recomenda cultivar a moderação, e não a abstinência radical. "A maioria dos casos de desistência do tratamento ocorre pela decepção do paciente com a própria recaída. A abstinência total é um fator de angústia constante", diz a psicóloga Maria Vilma de Faria, do Centro Mineiro de Toxicomania.

Os adeptos da redução progressiva defendem que ela seja aplicada no combate a todo tipo de vício – álcool, tabaco, drogas ou medicamentos. O professor de química Flávio Vichi, da Universidade de São Paulo, parou de fumar há um ano com um tratamento desse tipo, realizado com acompanhamento médico. Ele fumava desde os 14 anos e já tinha feito nove tentativas bruscas de interromper o hábito. O tratamento durou dois meses, tempo em que diminuiu o número de cigarros diários até conseguir substituí-los completamente pelo adesivo de nicotina, que usou por poucas semanas. "Hoje, já consigo sentir o cheiro dos produtos químicos com os quais lido", comemora. "Quando parava de fumar de repente, a vontade de voltar era incontrolável."

 

 
 
 
 
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