AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA |
CARTA RESPOSTA Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2.002.
Prezado Sr. Silvio Tonietto, Em atenção ao documento de 07 de novembro de 2.002, encaminhado a esta Agência (...) no que diz respeito ao questionamento, temos a comentar que: a) a nicotina seja excluída do cigarro, por ser a substância científica e publicamente admitida como a causadora da dependência no produto, ou, ao menos, reduzida a um nível temporariamente aceitável de 0,5mg por cigarro, de acordo com o estudo publicado na revista científica americana New England Journal of Medicine em 1.984, segundo o qual os cigarros deveriam ter um teor máximo de nicotina de 0,4 a 0,5 miligrama por cigarro para não viciar o consumidor, conforme divulgado pela revista Veja, em 29 de maio de 1.996. Atualmente, diversas pesquisas têm demonstrado que, ao contrário do que se pensava, cigarros com teores reduzidos não significam redução dos riscos associados ao consumo. 1, 2. O fumante tende, consciente ou inconscientemente, a modificar o hábito de fumar de modo a inalar fumaça o suficiente para alcançar nível satisfatório de nicotina. Essa mudança, também conhecida como compensação, pode se dar através de tragadas mais profundas, maior número de tragadas, bloqueando os furos de ventilação do filtro com os dedos, saliva ou com os lábios, ou ainda aumentando o consumo de cigarros. 3, 4. Dessa forma, ao tentar manter os níveis necessários de nicotina no sangue, o fumante torna-se ainda mais exposto ao alcatrão e aos componentes tóxicos e cancerígenos gerados na fumaça. Existe evidência de que a compensação por intensificação da tragada faz com que a fumaça penetre mais profundamente no pulmão, o que tem causado um aumento nos casos de adeno-carcinomas - uma variedade antes rara de câncer na pulmão1. Os furos de ventilação existem no filtro para permitir a entrada de ar, diluindo assim a fumaça. Quando esses cigarros são submetidos à análise laboratorial, onde são fumados em máquinas de fumar, o teor de alcatrão medido pode aumentar em até doze vezes, quando os furos do filtro são fechados pela máquina, simulando a compensação feita pelo fumante1. Os teores atualmente informados nas embalagens dos cigarros são quantificados através de análise laboratorial onde os furos dos filtros permanecem abertos na máquina de fumar, permitindo a diluição da fumaça. Contribuindo com os estudos científicos, tem-se ainda documentos internos das indústrias de cigarros, atualmente disponíveis ao público, evidenciando que os fabricantes já conheciam o fenômeno da compensação há pelo menos vinte anos, muito antes das instituições de saúde. Os documentos mostram que a indústria: 1, 5.
Quanto à eliminação total da nicotina dos cigarros, alguns trabalhos científicos e instituições de pesquisa em saúde, como, por exemplo, a American Medical Association (AMA) 6, sugerem que a redução gradual da nicotina nos cigarros, até chegar a uma quantidade que não seja capaz de causar a dependência, pode, a longo prazo, reduzir substancialmente o consumo dos derivados do tabaco, trazendo ganhos para a saúde pública. Mas também reconhecem que algumas questões devem ser consideradas:
Embora a quantidade limite para evitar a dependência não possa ser determinada com exatidão, uma vez que varia de pessoa para pessoa, alguns dados sugerem uma dose sistêmica de até 0,2mg de nicotina/cigarro6. A indústria possui o conhecimento para reduzir substancialmente o teor de nicotina no cigarro. Há alguns anos foi lançado pela empresa Philip Morris um cigarro "desnicotinizado" - NEXT, que não obteve sucesso, por não ter sido capaz de prover ao fumante o "sabor" (que na verdade é a nicotina) que ele estava acostumado. No entanto a empresa deliberadamente negligenciou a informação ao consumidor que o produto além de não causar dependência, praticamente não continha as nitrosaminas específicas do tabaco - TSNA, devido ao processo de extração da nicotina da nicotina do tabaco. As TSNA estão entre os cancerígenos mais letais presentes na fumaça do cigarro. Provavelmente o NEXT tenha sido o cigarro de menos risco no mercado7. O crescimento do mercado ilegal, através do contrabando e falsificação, provendo ao consumidor cigarros com altos teores de nicotina, tem sido considerado como uma das mais potentes conseqüências indesejáveis da estratégia de redução de nicotina. 6, 8. Considerando que no Brasil o mercado ilegal já chega a 30% dos cigarros consumidos no território nacional, a redução da nicotina poderia levar a desastrosas conseqüências na saúde pública. b) seja proibido o registro de novas marcas de cigarro e seus derivados, inclusive a da marca Kent, da Souza Cruz, prevista para este mês de novembro. Essa medida seria inconstitucional, uma vez que o produto é licito, e ainda, não seria justificável proibir uma determinada marca e permitir outras, se nenhuma apresenta menor risco à saúde. A única forma seria proibir-se todo e qualquer produto derivado do tabaco. No entanto, esta ação, tomada de imediato, não resolveria o problema, pois por várias décadas a comercialização vem sendo permitida, inclusive com propagandas intensas associando o consumo a um estilo de vida saudável e bem sucedida, incentivando o consumo e formando um contingente de indivíduos dependentes da nicotina. Tem sido de consenso nacional e mundial que o caminho mais eficiente para redução do consumo e dos malefícios causados está pautado em medidas educativas e preventivas associadas a medidas legislativas que controlem a promoção dos produtos derivados do tabaco, principalmente junto ao público jovem, visto pelas indústrias como o fumante do futuro, que vai garantir a continuidade dos lucros. Se o tabaco fosse introduzido na sociedade agora, certamente, seria considerado ilegal, pelo conhecimento acumulado sobre os danos provocados pelo seu uso. Portanto, sua legalidade é produto de um erro histórico. No entanto, sua existência milenar nas Américas, com ampla disseminação neste século, e seu poder de causar dependência tornam impossível a sua proibição. c) seja proibido o registro e a abertura de novos estabelecimentos de comércio exclusivos ou não desses produtos (tabacarias), tudo sob pena de sermos obrigados a, com o devido respeito, tomarmos todas as medidas judiciais cabíveis, inclusive propondo competente ação por crime de responsabilidade contra Vossa Excelência. Mais uma vez, conforme anteriormente descrito, seria inconstitucional proibir a abertura de novos estabelecimentos que comercializam produtos derivados do tabaco, inclusive porque atualmente a venda não está restrita a um estabelecimento destinado exclusivamente a este fim. Atenciosamente, Moisés Diskin
Referencias Bibliográficas 1. Martin Jarvis, Clive Bates. Why Low Tar Cigarettes
Don't Work and How the Tobacco Industry Has Fooled the Smoking Public.
1999 Edition. |