Entrevista nº 6

Amaury Rodrigues da Costa, com 73 anos, foi fumante por quase 30 anos, mas já deixou de fumar por esse mesmo período. Concede uma entrevista interessantíssima que, com certeza, se houver alguma honra aos responsáveis pela Saúde Pública deste país, a começar pelos Presidente da República e Ministro da Saúde, farão que medidas sobre a matéria sejam tomadas imediatamente. Leia alguns trechos da entrevista do Sr. Amaury, que além de tudo é excelente orador, e se coloca à disposição para palestras gratuitas em empresas, clubes, etc, para auxiliar pessoas a parar de fumar...

AMATA – Com que idade o senhor se tornou dependente do tabagismo? Como começou a fumar?

AMAURY – Com menos de dez anos de idade comecei a fumar e em menos de dois meses já era dependente. Isso aconteceu um pouco antes de eu iniciar o curso ginasial, no Colégio Pedro Segundo, Internato, no Rio de Janeiro, em 1946.

AMATA - Dispunha o senhor, na época, de adequada informação sobre os efeitos danosos do tabagismo?

AMAURY - De nenhum modo! Na minha adolescência, o tabagismo era altamente glamouroso! A sociedade da época encarava como “status” de elevada categoria social o praticante do tabagismo. O cinema, muito prestigiado na época, exibia atores e atrizes de renome em cenas onde a prática do fumo era criminosamente exibida por personagens charmosas, elegantes, Só para citar um desses casos, lembro-me bem de Hunfrey Bogart, no filme “Casablanca”, usando o cigarro como elemento de afirmação de uma personalidade máscula, irresistível, fascinante. Os espectadores eram movidos a copiá-lo, especialmente os adolescentes. Este é apenas um dentre milhares de exemplos exibidos em filmes de Hollywood, que tiveram seqüência por muitas décadas.

AMATA - Então o senhor pode afirmar que foi incentivado a praticar o tabagismo?

AMAURY - Sem nenhuma dúvida.

AMATA - Acredita que se tivesse sido beneficiado pelo grau de informação que hoje está disponível contra o tabagismo teria evitado cair no vício do fumo?

AMAURY - Efetivamente, não posso garantir que sim; porém, a probabilidade de me tornar dependente do fumo, obviamente, teria sido bem menor. Minha razão, minha capacidade de raciocínio certamente me ajudariam a avaliar os riscos e me tornariam responsável pela minha decisão. Sinto-me consolado em afirmar que não me sinto tão culpado, ao contrário do que ocorre com os que hoje se deixam viciar.

AMATA - Significa isso que o senhor joga toda a responsabilidade do vício ao próprio fumante?

AMAURY - Relativamente, sim! Entretanto, sua culpa é repartida com todos os Poderes da República, nos âmbitos federal, estadual e municipal, que sempre se mantiveram distantes do problema, sem nada fazerem para eliminá-lo. Ao contrário, exploram pecuniariamente com impressionante cinismo a desgraça do cidadão. Mas, mesmo assim, o maior responsável é o próprio elemento que se deixa viciar, se for adulto e o processo de dependência não se originou na menoridade. Ninguém se vicia de nada por acidente, por acaso, ou sem querer.

AMATA - Por quanto tempo o senhor foi dependente do tabagismo?

AMAURY - Por vinte e oito, vinte e nove anos.

AMATA - Quantos cigarros fumava por dia?

AMAURY - Como todos os fumantes, no início fumava muito pouco. Meu consumo foi aumentando gradativamente, até que, quando dei por mim, estava consumindo cinco maços por dia, ou cem cigarros a cada vinte e quatro horas. Praticamente, acendia um cigarro com outro. A minha degradação chegou ao máximo! Houve ocasiões em que não comia, de modo a ter dinheiro para fumar. Em outras, catava “bitucas” no chão. Certa vez, sem cigarros e sem bitucas, queimei papel puro enrolado em forma de cigarro, para saciar a ânsia de fumo... Horrível, não? Certa madrugada, procurei cigarros onde guardava os pacotes e percebi que não tinha nem mais um maço. Deitei para dormir, em vão! Eu residia em Padre Miguel, um subúrbio do Rio de Janeiro. Alguns minutos depois, levantei, me vesti e andei a pé até a estação de Bangu onde encontrei um bar aberto para comprar cigarros. Depois voltei tudo a pé. Era uma dependência como jamais vi em outra pessoa.

AMATA - Sentiu-se atraído a usar outros tipos de drogas?... Maconha, craque, ou outros?

AMAURY - Jamais! Não que me houvesse faltado oportunidade. Mas, sempre repeli todo e qualquer tipo de entorpecente. Nunca, sequer, experimentei qualquer deles. A propósito, no meu tempo não existia o craque, ecstase, e outros tipos de droga... Mas, além de cigarros, fumava também charutos, cachimbo e cigarros de palha. Eu era um “malabarista do fumo”. Divertia-me fazendo anéis com a fumaça. Era capaz de esconder um cigarro já meio consumido, aceso, dentro da boca, sem uso das mãos. As pessoas também se divertiam com isso.

AMATA - Durante a prática do tabagismo, sentia algum sintoma de doença a ele relacionada?

AMAURY - Sim. Uma terrível gastrite, que me fazia sentir o estômago queimando constantemente. Eu chegava a babar saliva, de tanta queimação. Esse quadro derivou para um incontido refluxo do suco gástrico para o esôfago, ocasionando ali uma séria estenose além de provocar uma hérnia de hiato. Cheguei ao ponto em que não podia engolir nada, nem mesmo água. Fui operado na Santa Casa de São Paulo e na operação aconteceu um acidente com perfuração do esôfago. Saí da cirurgia com uma gastrostomia que me assustou quando recobrei os sentidos. Durante a convalescença tive que fazer dilatação do esôfago, num processo muito estressante e constrangedor. Eu vivia com um cordão que servia de guia para uns segmentos de borracha empregados na dilatação. Quando terminava cada sessão, era necessário manter o cordão instalado. Saindo do estômago pela fístula, entrava por uma das narinas e, passando pela laringe, seguia em direção ao estômago, fechando o círculo. Na próxima sessão, o cordão era cortado antes da introdução pelo nariz. A extremidade do cordão era sugada por um aparelho para a boca. Na outra extremidade eram presas, seguidamente, sondas de borracha cujas espessuras aumentavam de uma pra outra. Estas sondas eram puxadas para dentro do estômago pela extremidade que ficava livre na boca. Essa operação introduzia as sondas através da gastrostomia em direção ao esôfago e, gradativamente, iam “alargando” o ponto estenosado, à medida que a espessura das sondas aumentava. Tive que me submeter a esse tratamento por seis meses, até que voltei a engolir os alimentos normalmente. Até então, tive que ser alimentado com uma dieta pastosa, não muito apetitosa, pode crer.

AMATA - Era doloroso esse tratamento? Recebia alguma anestesia?

AMAURY - Não, não recebia nenhum anestésico. Naquela época a medicina não usava anestesia em tal procedimento. Mas, eu não sentia dor. O que me causava era um muito acentuado distúrbio nervoso... um estado de pânico que me proporcionava um grande sofrimento.

AMATA - Ficou curado?

AMAURY - Durante muitos anos, sim. Todavia, estou agora precisando fazer novo alargamento do esôfago, confrontado com outro problema. Já não tenho mais a gastrostomia para facilitar o processo de dilatação. Agora, tem que ser empregada uma sonda a ser introduzida pela boca que, chegando ao ponto estenosado, é inflada para aumentar o diâmetro do esôfago. Estou providenciando esse tratamento no Hospital das Clínicas.

AMATA - A ciência médica afirma, comprovadamente, que o fumo prejudica pessoas conhecidas como “fumantes passivos”, notadamente parentes próximos e colegas de trabalho. O senhor admite que haja causado esse mal a alguém?

AMAURY - Para minha grande vergonha, tenho que admitir que sim! E minha principal vítima foi a pessoa que mais amo, e por quem, sem qualquer vacilação, daria a minha própria vida. Minha esposa, minha doce companheira. Até hoje, ela é acometida de problema respiratório, quando inala qualquer tipo de fumaça, especialmente a de cigarros. Minha consciência me acusa disso. Também tenho filhos que sofrem de bronquite. Não sei se devo atribuir isso exclusivamente aos cigarros que fumei diante deles, uma vez que, tendo sido minha mãe asmática, esse mal possa ter sido transmitido à eles geneticamente. De qualquer forma, a dúvida pesa mais para me acusar do que para me inocentar. É uma grande dor de consciência com que tenho vivido. Em meu trabalho, não creio que haja causado mal a alguém, porquanto a maior parte do meu serviço foi externo.

AMATA - Como foi que conseguiu parar de fumar e quando isso aconteceu?

AMAURY - Essa é uma história interessante, e eu preciso me deter em alguns detalhes para responder com precisão e realismo. Fumei meu último cigarro às quinze horas do dia quinze de setembro do ano de 1972. Eu jamais havia tido a coragem de, sequer, pensar em deixar de fumar. Acredito que todo dependente de tabaco sente esse pavor. Parar de fumar era algo que estava muito longe de qualquer cogitação da minha parte embora, a essa altura, já estivesse fartamente informado sobre a alta nocividade do cigarro. Exatamente como ocorre com os fumantes de hoje, eu também não dava importância à informação que recebia. Um certo dia, tive que acompanhar minha mãe ao ambulatório de pneumologia do Hospital do Servidor do Estado do Rio de Janeiro, onde ela fazia um tratamento de nebulização terapêutica para atenuação das terríveis crises de asma que sofria. Ao chegarmos ao ambulatório, lá já estava um senhor que aguardava ser atendido pelo médico. Ele chamava a atenção de todos a sua volta. A sua respiração era ofegante, exclusivamente pela boca, numa freqüência incrivelmente acelerada. Observando-o detidamente, comecei a passar mal, angustiado, e por influência do seu estado, comecei a sentir falta de ar. O quadro era deprimente. Afinal, ele foi chamado e atendido. Logo em seguida minha mãe foi atendida e eu a acompanhei no consultório. No final da consulta, não pude conter minha curiosidade e indaguei ao médico qual a natureza do mal que aquele senhor sofria. “Curto e grosso” ele disse que o pobre homem sofria de um mal em cuja direção eu estava caminhando aceleradamente. Não tinha sido difícil para ele perceber que eu era um descarado fumante. Dizendo que os tabagistas, de um modo geral, não se preocupam (muitas vezes, não) com a incidência de câncer no pulmão, aquele cidadão estaria morrendo dentro dos próximos seis meses por causa de um adiantado estado enfisematoso. Não sobreviveria aos seis meses! Depois de perguntar se eu respirava normalmente, deu-me alguns conselhos, frisando que eu deveria parar de fumar o mais depressa possível. Severamente impressionado, saí de lá determinado a nunca mais fumar em minha vida, coisa que jamais eu houvera considerado. Entretanto, ainda fumei sem nenhuma vergonha por uns trinta dias, até que fui vitimado por uma violenta crise de fígado. Eu não podia nem pensar em cigarro sem vomitar bílis. No auge dessa indisposição, jurei que não mais fumaria. Dois dias depois, eu estava curado, e a falta do cigarro “me pegou feio”. Eu havia fumado dois cigarros de um maço que estava ali sob meu olhar, me desafiando com uma pergunta: “e agora”? Eu nunca havia ficado dois dias sem fumar. Por isso, determinei-me a prosseguir na abstinência, aproveitando aqueles dois dias sem tabaco. Tive que voltar a trabalhar. Levei comigo o tal maço e, heroicamente, completei mais um dia inteiro sem fumar. Que vitória! A história decorrente encerra um período de muito intensa angústia e sofrimento. Mas, tendo por alvo contínuo a conquista de “mais um dia sem fumar”, completei um mês, dois, seis, um ano... Jamais voltei a fumar.

AMATA - Além dos benefícios da saúde, sentiu-se financeiramente recompensado?

AMAURY - Certamente que sim. O custo do vício não é muito sentido por quem consome um, dois maços por dia! Mas, feita a conta, é uma considerável soma de dinheiro que se gasta. Eu consumia cinco carteiras todo dia. Comprava cigarros aos pacotes, cinco, seis de uma vez... Calculando a média de dois reais cada maço, eu gastava o equivalente a dez reais por dia, ou trezentos reais por mês. Quando me assegurei de que não voltaria mais a fumar, contraí uma dívida na compra de um equipamento de som, meu sonho de consumo, na época, e paguei com a economia que fiz. Ainda me sobrou dinheiro!

AMATA - Com todo esse envenenamento causado pelo tabaco, não sente qualquer seqüela?

AMAURY - Obviamente, sim! Não posso deitar para dormir, à noite, sem tomar uma dose de xarope histamínico, por causa de uma dispnéia que me enlouquece. Deus teve pena de mim e minimizou os efeitos resultantes da minha loucura tabagística

AMATA - Que conselhos daria o senhor para quem está preso ao vício do fumo?

AMAURY - Logicamente, que se determine a parar com o fumo o quanto antes. Que se convença de que nenhum milagre o livrará desse vício. Mas, alcançando a abrangência da sua pergunta, sinto-me autorizado a encorajar tal pessoa a não se intimidar ante o pânico de sofrer pela abstinência. É difícil parar? É sim, muito difícil! MAS, NÃO É IMPOSSÍVEL! Comece por rechaçar os costumeiros “habeas corpus preventivos” - “não adianta, não consigo, já tentei várias vezes” - “vou morrer de um jeito ou de outro” - “ainda não estou preparado” - “meu avô morreu com noventa anos, fumando”. Compenetre-se de que homens e mulheres comuns conseguiram livrar-se dessa maldição, sem serem super-homens ou super-mulheres. Qualquer pessoa, por mais viciada ou despreparada que se considere, tem condições de parar de fumar. Não é uma questão de adestramento físico. Convença-se de que a abstinência tem uma linha ascendente, atinge um clímax e inicia uma trajetória descendente. O tempo em que se completa esse processo varia de pessoa para pessoa, mas, TEM UM INÍCIO E CERTAMENTE CHEGA A UM FIM. Não permita que sua disposição de parar de fumar fique subordinada ou mesmo condicionada a outros tipos de ajuda, porque O ÚNICO FATOR INFALIVELMENTE DETERMINANTE PARA A SUA LIBERTAÇÃO É E SERÁ SEMPRE A SUA FORÇA INTERIOR. Medite seriamente na seguinte verdade: se não parar com o tabagismo, enfrentará, inexoravelmente, uma morte muito sofrida em tempo mais imediato do que possa imaginar. Assuma com dignidade a sua culpa pelo vício adquirido e subordine-se à penitência que é proporcionalmente imposta por todo ato ímprobo. Mais que a culpa por seus próprios males, admita a culpa por males ainda piores, os que causa a pessoas inocentes. Se for mulher, prepare-se para ter que enfrentar a desgraça de, eventualmente, dar à luz um filho deformado tendo que contemplar essa deformidade por todo o decurso de sua vida, se não parar de fumar. Homem, ou mulher, imponha-se a si mesmo a obrigação de, no mais superlativo grau, revestir-se de autoridade moral, de dignidade, de honra, de decência, de brio, de pundonor, de respeito à si mesmo e a seus próximos. Preserve uma boa relação com o Deus em que afirma crer e respeitar, adotando uma radical ação profilática em benefício do corpo limpo que d’Ele recebeu. Recorra a Ele em ORAÇÃO, não esperando um milagre, mas, sim, na busca de força para vencer as dificuldades por si mesmo criadas. Empenhe-se com todo ardor na busca da indescritível felicidade que sentirá, depois de um tempo bem curto, por mirar-se num espelho e exclamar com todo orgulho: SOU UM VENCEDOR !!! TODOS OS QUE O AMAM PARTILHARÃO DESSA ALEGRIA!!! JAMAIS SE SINTA INCAPAZ DE PARAR. Adote o sistema que usei. Fique sem fumar por um dia. Renove essa determinação por tempo indefinido. Eu consegui. Qualquer um consegue. DEPENDE SOMENTE DE QUERER.

AMATA - Chega a ser emocionante o entusiasmo com que o senhor fala! É de se esperar que os leitores dependentes sejam contagiados com o seu positivismo. Ficamos agradecidos por sua atenção e pela distinção em nos conceder essa entrevista. Até uma próxima oportunidade.

Abril de 2008.